As campainhas das bicicletas sobrepuseram-se, por momentos, ao barulho dos carros junto à Câmara do Porto, esta segunda-feira de manhã. Apoiantes da mobilidade sustentável saudaram Tiago Cação nos primeiros metros dos mais de seis mil quilómetros que se propôs a pedalar para incentivar os modos suaves de transporte.
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Ultramaratonista em ciclismo, Tiago Cação arrancou, no Porto, para os mais de seis mil quilómetros de numa Volta a Portugal que terminará em Lisboa no final do mês. "Precisamos de contrariar o que estamos ver à nossa volta, um carro atrás do outro, a produzir dióxido de carbono", comentou Cândido Barbosa, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), que apoia a iniciativa pela mobilidade sustentável. "A bicicleta tem esta mais-valia, de ser usada para o trabalho ou para lazer", disse o ex-ciclista, conhecido como o "Foguete de Rebordosa", que acumulou já mais de 500 mil quilómetros a pedalar.
À média de 240 quilómetros de estrada por dia, Tiago Cação vai passar por todos os 278 municípios de Portugal continental para deixar uma carta a sensibilizar as autarquias para a necessidade da mudança de paradigma nas políticas urbanísticas e de mobilidade, com uma aposta nos modos suaves, na sustentabilidade e na qualidade de vida. A primeira carta foi entregue na praça General Humberto Delgado, em frente à Câmara do Porto, à vereadora da Qualidade de Vida, Catarina Araújo. "Esta é uma iniciativa alinhada com as nossas preocupações e com o trabalho que estamos a fazer", disse a autarca.
"Despertar consciências"
Com o trânsito a dissipar-se no fim da hora de ponta matinal, Tiago Cação fez-se à estrada. Desceu a avenida dos Aliados em direção ao rio e daí para Matosinhos e Maia, as paragens seguintes do Projeto278, que leva estampado na camisola, nos calções e nas meias. "Uma iniciativa brilhante, que mostra a necessidade de sensibilizar os nossos decisores políticos para mudanças concretas para que as nossas cidades sejam mais sustentáveis, saudáveis, inclusivas e mais vivas", disse Vera Diogo, presidente da MUBI - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta.
“O objetivo do projeto é despertar consciências, também na população, e que este ano, de eleições autárquicas, o tema não fique de fora do debate político”, justifica Tiago Cação, que das várias medidas propostas na carta destaca a redução da velocidade máxima nos centros urbanos para 30 quilómetros por hora. "Cria um ambiente mais seguro para os ciclistas e para os peões", justificou. Vera Diogo subscreve e lembra que a recomendação é também acolhida e promovida pela Organização Mundial de Saúde.
"Defendemos uma cidade toda com velocidade máxima de 30 quilómetros hora, mas, não sendo possível, devia haver pelo menos áreas de condicionamento dos veículos motorizados", diz Vera Diogo, sentada numa bicicleta com a frase "Menos um carro na estrada" inscrita no quadro; como uma lição do que falta fazer no Porto. "Não temos uma rede ciclável, mas apenas algumas ciclovias, algumas mal construídas e outras sem condições. Falta essa visão estratégica de uma rede de ciclovias, de percursos para a bicicleta e para modos ativos", acrescentou.
Porto tem 33 quilómetros de ciclovia
A vereadora do Desporto e Qualidade de Vida diz que o Porto tem "uma rede ciclável significativa, de 33 quilómetros". Reconhecendo que" é preciso fazer mais e melhor", Catarina Araújo diz que o futuro passa pela "ligação integrada entre as casas, as escolas e as universidades" e assume o desafio "de trabalhar para ter cada vez mais condições" para o uso da bicicleta e outros meios suaves de transporte.
"O Programa de Mobilidade Urbana sustentável tem um conjunto de medidas, entre as quais consta o aumento da área ciclável", acrescentou Catarina Araújo, que além da carta de Tiago Cação recebeu uma sugestão da MUBI - a construção de "bicicletários", locais seguros para as pessoas deixarem as bicicletas estacionadas na cidade. "É algo que vamos começar a ver como fazer", disse a autarca.
No entender de Vera Diogo, no Porto faltam ainda melhores ligações aos transportes públicos, nomeadamente às estações de comboios. "Faltam calhas para descer com a bicicleta à estação de Campanhã", lembrou. "Apesar das dificuldades, temos a sensação que estão a aumentar as pessoas que se deslocam em modos suaves. Mas as condições continuam muito reduzidas", acrescentou a dirigente da MUBI.
O Projecto 278, que tem o Alto Patrocínio do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pretende ser uma forma de alertar os autarcas. "A mudança tem de ser já", diz Tiago Cação, que conta ainda com o apoio da Associação Nacional de Municípios, da Federação Portuguesa de Ciclismo, da MUBI, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e da ABIMOTA. A Greenvolt Comunidades e a Sociedade Ponto Verde são os patrocinadores.
A iniciativa conta ainda com parcerias com a Bikezone, Decathlon, Geonatlife, Sponser Sport Foods, Catlike, Biolectra Magnesium e Panvitol da Azevedos e da Topcycling.pt. A empreitada não fica barata e foi criando ainda um projeto de recolha de fundos online, disponível no aqui.
Com as autárquicas no horizonte, Tiago Cação quis associar um autarca ao Projeto 278. “Convidei Rui Moreira, um autarca que não se pode recandidatar, para ser embaixador do projeto, desafiando a para fazer uma balanço do que tinha feito, que está ainda a pensar fazer ou que está arrependido de não ter feito” na cidade do Porto, explicou. A iniciativa junta ainda outros embaixadores, como Pilar del Rio, viúva do Nobel da Literatura José Saramago, o músico António Zambujo ou cantora moçambicana Selma Uamusse.
Vertente turística também presente
Formado em Turismo, Tiago Cação não negligencia a vertente turística da volta a Portugal pelas autarquias. Durante a iniciativa serão produzidos conteúdos audiovisuais para dar visibilidade à diversidade paisagística, patrimonial e cultural do país. Dado o consumo de calorias elevado para fazer mais de seis mil quilómetros de bicicleta, a fome pode juntar-se à vontade de comer. “Infelizmente não vou poder ir comer a todos os sítios que gostava, mas alguns são incontornáveis”, disse, porque mostrar o bom de Portugal é sentar também à mesa para almoçar ou jantar. “Nem que depois ande um bocadinho mais devagar”, comentou.
O Projecto 278 será acompanhado pelo realizador belga Ryan Le Garrec, conhecido pelas obras sobre ciclismo e ultramaratonismo, e que fará um documentário sobre esta viagem. A trabalhar na indústria musical, fotógrafo por paixão, produtor e escritor de viagens, Tiago Cação produziu e realizou o documentário Horizontes, atualmente disponível na RTP PLAY.
Tiago nasceu em Montemor-o-Velho em 1983, Dedica-se frequentemente a causas sociais. Em abril de 2020, realizou uma volta solidária a Portugal. Percorreu dois mil quilómetros em sete dias e angariou duas toneladas de alimentos para a União Audiovisual. Também em outubro de 2020, com o apoio da Rádio Comercial, fez a estrada Nacional 2 em 27 horas, tendo angariado mais de oito mil euros através de crowdfunding, valor que foi convertido em ajuda alimentar para profissionais do setor da cultura em dificuldades financeiras devido à pandemia.