Hospital Rovisco Pais inaugurou, na Tocha, um museu que conta a história da única leprosaria nacional.
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Lucília Marques, 78 anos, tinha apenas três anos quando lhe foi diagnosticada lepra (doença de Hansen), a maleita infecciosa que afeta a pele, nervos periféricos, sistema respiratório e visão e que a ela lhe levou um dedo da mão esquerda e deixou marcas pelo corpo. Aos oito, foi com a mãe desde Alvaiázere ao Hospital Colónia Rovisco Pais, a única leprosaria nacional, na Tocha, Cantanhede, e onde ontem foi inaugurado um museu, na antiga capela do hospital. A ideia é que a história da doença e aquele património "não fiquem esquecidos", explicou o enfermeiro Luís Pratas, da administração do Rovisco Pais.
Lucília teve alta anos depois, mas preferiu ficou com a mãe e a estada prolongou-se por 26 anos. Ali aprendeu a ler e a escrever, a bordar, trabalhou atendendo outros doentes e fazendo limpezas. Casou e teve dois filhos, que lhe foram retirados para evitar contágios e com quem só conviveu anos mais tarde.
A leprosaria, aberta em 1947, teve 1000 doentes, que chegavam "estigmatizados, amputados, com marcas no rosto profundas e um grau de invalidez grande", conta Cristina Nogueira, curadora da exposição. Após terem alta, vários continuavam ali por receio de serem estigmatizados no exterior.
Aldeia autossuficiente
O Rovisco Pais tinha laboratório para estudar a doença, uma farmácia para produzir a medicação e uma enfermaria, que foi replicada no museu. As portas são originais e separavam o "mundo do doente do acompanhamento médico e de enfermagem", diz Cristina, explicando que os internados chamavam "janela de judas" aos vidros destas portas porque os "denunciavam" quando tentavam escapar.
Dentro dos 140 hectares do Rovisco Pais funcionava uma aldeia autossuficiente, rodeada por vedações e arame farpado. Tinha pavilhões e casas, creche, salas de aulas, capela, cultivavam-se alimentos, aprendiam-se ofícios, havia procissões, um jornal e até uma "prisão", na qual Lucília passou alguns dias depois de, numa saída autorizada, não ter regressado dentro do prazo. Como era difícil conseguir pessoal, as irmãs da congregação de S. Vicente de Paulo davam uma ajuda importante.
Em 1985, houve uma alta coletiva mas vários ex-doentes permaneceram por "receio de serem estigmatizados no exterior ou por complicações devido à doença" conta Cristina Nogueira. Atualmente permanecem apenas dois, "pessoas idosas e com muitas complicações de saúde por causa da lepra".
Em 1996, a leprosaria encerrou e deu origem a um Centro de Medicina de Reabilitação. Hoje a lepra não é um problema de saúde pública em Portugal, mas são detetados "uns quatro casos por ano, a maioria dos quais são importados", finaliza a curadora.
Para ver
Grátis
As visitas são gratuitas e guiadas, mas sujeitas a marcação através dos contactos 231440900 e secretariado@roviscopais.min-saude.pt. O museu tem expostos um milhar de objetos, desde utensílios de assistência clínica e do laboratório, a mobiliário, cartas e imagens que retratam a vida social.
Seis temas
O museu tem seis áreas temáticas: Hospital Colónia Rovisco Pais - a última e única leprosaria nacional; cronologia do combate e erradicação da doença; a doença e os doentes; o laboratório, a farmácia e os tratamentos; assistência clínica; quotidiano na aldeia e assistência à família.
Testemunhos
O Rovisco Pais também procedeu a uma recolha de testemunhos de ex-doentes e antigos funcionários, que podem ser conhecidos noutro trabalho, uma exposição itinerante que se chamou "Hansen Stories".