Humorista recebeu Medalha de Mérito Cultural do Governo no dia em que celebrou o 70.º aniversário.
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Vulto maior do humor português, figura incontornável que mudou a televisão nacional e impactou diversas gerações, Herman José foi consagrado com a Medalha de Mérito Cultural do Governo. No mesmo dia em que fez 70 anos, o comediante teve direito a um bolo e ao cantar dos “Parabéns” pelo primeiro-ministro, António Costa, e Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
Herman José é “o verdadeiro artista”, alcunha que lhe ficou do tema que cantava como Serafim Saudade na série de culto que já assinalou 40 anos, “O tal canal”. Em 2024, no mesmo ano em que Portugal festeja 50 anos do 25 de abril, o humorista celebra 50 de uma carreira “revolucionária”, como destacou António Costa na entrega da medalha, em São Bento, Lisboa.
Inventou a modernidade
Lembrando como Herman começou em 1974, no Teatro ABC, o primeiro-ministro demissionário fez uma resenha dos 50 anos de carreira do também apresentador, com fases tão marcantes como “Passeio dos alegres”, “Tal canal” ou “Hermanias”. Sendo ubíquo o tema da liberdade e democracia, nesta viagem Costa destacou a altura em que “Humor de perdição” foi suspenso pela RTP em reação às polémicas entrevistas históricas; e mais, tarde, em 1996, quando um sketch religioso desencadeou um abaixo-assinado contra o humorista. “O humor é vital para qualquer sociedade democrática porque põe à prova a liberdade nessa sociedade. Com Herman José aprendemos que, mesmo em democracia, fazer humor é por vezes, um ato de coragem”, frisou.
Para o governante, Herman inventou “verdadeiramente o humor moderno em Portugal”. Com ele, a “democracia saiu da TV a preto e branco, ganhou cor, riu, riu-se e fez-nos rir. Com Herman crescemos em democracia e a democracia cresceu na sua liberdade”, concluiu Costa, chegando a citar expressões icónicas do comediante, com a entoação devida, como “não havia necessidade”, de Diácono Remédios.
“Humoristite aguda”
Ao receber a medalha, Herman reagiu com o habitual humor, dizendo-se de tal maneira “cabeçudo” que “tinha medo” que a fita não entrasse. Mais a sério - sem nunca o ser totalmente - o artista lembrou como nasceu com “humoristite aguda, ou tendência natural para o disparate”, recordando, como logo na escola alemã, com 5 a 6 anos, começou a imitar professores.
Agradecendo a um governo “hiperdemissionário”, brincando com situações como o novo aeroporto ou as contas do Estado, Herman frisou a “honra imensa” da condecoração e citou o mexicano Octávio Paz, quando dizia que os prémios “domesticam o criador independente, cortam as asas do inspirado e castram o rebelde”. Discordando, frisou: “Acho que estes momentos alimentam o amor próprio, dão asas para que não deixemos de voar e carregam-nos as pilhas da rebeldia”.
Mais tarde, lembrou como o humor já foi considerado uma “arte menor” e hoje tem outro estatuto, frisando: “Aconteceram-me ao longo destes 50 anos as coisas mais extraordinárias, em reação a uma coisa que é só fazer rir”. Invocou ainda momentos de “sofrimento”, como a referida suspensão. E concluiu: “Portanto, a liberdade não é oferecida grátis; dá sempre trabalho e tem de ser regada, como um bonsai, e conquistada, também com inteligência, para que as cócegas sejam cócegas, e não se transformem em dor”.