Durante décadas, o Café Palladium foi um dos maiores ícones da vida cultural da cidade do Porto. Reuniu elites no salão de inspiração Art Déco, acolheu conversas e convívios à hora do chá, e animou as noites com o cabaré mais requintado da cidade. Em setembro de 2024, a FNAC, que ocupava parte do edifício desde os anos 2000, encerrou portas, dando lugar à marca de retalho Primark.
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Inaugurado a 4 de novembro de 1940, o Café Palladium abriu com pompa e circunstância. A cerimónia contou com as mais altas figuras do Estado, e o interior do edifício, decorado com colunas de vidro cor-de-rosa, mármore e espelhos em estilo Art Déco, espelhava o espírito moderno da época. O copo d´água foi servido pela emblemática Confeitaria do Bolhão, num gesto simbólico de sofisticação.
Já na véspera da abertura oficial, o espaço fora elevado a símbolo da cultura do regime, com a visita de António Ferro, responsável pela política cultural do Estado Novo, acompanhado de uma delegação espanhola. A receção incluiu a execução dos hinos nacionais de ambos os países. Era o tempo da "grande moda dos cafés, sobretudo vinda de Paris", lembra o historiador Hélder Pacheco.
"A baixa do Porto começa a encher-se. Os cafés eram o local onde as pessoas se encontravam para conversar e conviver." Hélder Pacheco
Os três andares do Palladium, ligados por uma imponente escadaria, albergavam um universo multifacetado: café, salão de chá, restaurante e salas de jogo, num total de cerca de 900 metros quadrados. À semelhança dos modelos internacionais, o espaço incluía um grill-room- uma área de refeições ligeiras que combinava requinte e descontração.
Foto: Centro Português de Fotografia
No rés-do-chão, servia-se o célebre "Bife à Palladium", acompanhado de aperitivos e marisco. Todos os dias, à hora do almoço, era estreado um novo prato, num ritual que marcava o quotidiano do espaço.
No primeiro andar ficavam as animadas salas de jogos, frequentadas por reformados e jogadores ocasionais que ali passavam horas entre partidas de xadrez, damas, palavras cruzadas, charadas ou dominó.
"A sala era muito barulhenta", recorda José Moreira, então adolescente de 16 anos e hoje com 71, antigo gerente do Café Java. "Lembro-me de alugar jornais por moedas. Era isso que mais me motivava a ir ao Palladium", acrescenta.
O último piso, com entrada independente pela Rua de Santa Catarina, dava acesso ao cabaré mais seleto da cidade. Jornalistas, tipógrafos e bancários dançavam noite dentro ao som de orquestras e fadistas. Com porteiro, elevador próprio e polícia à porta, o ambiente requintado resistiu até ao final da década de 1970. Tal como o cabaré, também o café não escapou ao declínio da Baixa portuense. Encerraria definitivamente a 31 de março de 1974. "Essa população que era importante para manter os cafés foi-se perdendo", lamenta o historiador Hélder Pacheco.
Foto: Centro Português de Fotografia
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"O fecho de um café era sempre o apagar de uma memória. Quando fechava um café, fechava um pouco da memória da cidade. Era como se encerrasse uma biblioteca. Um café era um centro de encontro, troca de ideias, até também de combate. Havia ali umas maneiras de combater a censura e a polícia." Germano Silva
Décadas antes do nascimento do Palladium como espaço cultural, em 1912, António Nascimento adquiriu o terreno para ali instalar os Grandes Armazéns Nascimento, projeto assinado pelo arquiteto José Marques da Silva. Inspirado pelas suas viagens pelas capitais europeias, Marques da Silva desenhou o edifício com base na monumentalidade das Galerias Lafayette, em Paris.
A ideia inicial era criar um espaço dedicado à venda de móveis, tapeçarias e objetos de decoração. Contudo, o advento da Primeira Guerra Mundial travou os planos. A construção sofreu atrasos significativos e o projeto foi reformulado. O betão armado, mais económico e moderno para a época, passou a ser o principal material.
"Em 1916, devido às dificuldades da guerra, é preciso uma alteração dos materiais constantes do projeto e a grande alteração é que ele passa a ser construído em betão. O que na época era uma grande modernidade." Hélder Pacheco
O edifício, pela sua inovação e escala, tornou-se referência para futuras construções comerciais no Porto, como o Mercado do Bolhão. No entanto, um incêndio em 1934 nas instalações da família Nascimento, na zona do Freixo, causou prejuízos de grande dimensão. Cinco anos mais tarde, o imóvel da Rua de Santa Catarina seria vendido- e daria lugar ao Café Palladium.
A sua arquitetura revela uma fusão entre o Neoclassicismo e o Art Nouveau, traduzindo a modernização urbana do Porto no período entre guerras. As vitrinas originais foram transformadas em janelas panorâmicas, e o edifício tornou-se ponto privilegiado de observação. O relógio na fachada, hoje inativo, tocava carrilhões de três em três horas- uma memória sonora que evocava nomes marcantes da cidade como Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, o Infante D. Henrique ou São João.
A fachada, revestida com pedra e ornamentada com colunas, frisos e esculturas, mantém-se como testemunho de uma época. As amplas janelas e arcadas criavam uma ligação visual entre o exterior e o interior comercial, privilegiando a luz natural e a transparência, reflexo da ambição arquitetónica do projeto.
Nos anos 2000, a FNAC ocupou dois pisos do edifício Palladium, revitalizando o espaço com concertos, sessões de autógrafos e apresentações de livros. "A FNAC foi também um exemplo de um espaço de cultura, embora fosse comercial", sublinha Germano Silva.
Foto: Centro Português de Fotografia
Em setembro de 2024, a FNAC encerraria definitivamente. O processo de requalificação arrancou logo de seguida, com a instalação de novas lojas comerciais, entre as quais a cadeia de retalho Primark. A transição marca o fim de um capítulo cultural e o início de uma nova fase, mais funcional, mais massificada, e menos simbólica.
Na esquina da Rua de Passos Manuel com a Rua de Santa Catarina, o edifício Palladium resistiu ao tempo como símbolo de uma era em que os cafés eram muito mais do que espaços de consumo. "Os cafés eram lugar de convívio, de troca de informações. Era um centro de encontro, troca de ideias...", recorda Germano Silva.
Hoje, permanece na paisagem urbana como vestígio de uma memória coletiva- urbana, social, afetiva. Ou, como o próprio Germano sintetiza: "O fecho de um café era sempre o apagar de uma memória".
*O meu nome é Francisca Eichmann, tenho 20 anos e resido em Espinho. Sou licenciada em Ciências da Comunicação, pela Universidade Lusófona do Porto. Interessei-me sempre pela escrita e o que me motiva no jornalismo é a capacidade de conhecer e contar histórias para que cheguem a mais pessoas.
O meu nome é Clara Correia, tenho 23 anos e sou do Marco de Canaveses. Sou licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto. Quero ser jornalista e usar o jornalismo para informar, sensibilizar e dar voz a causas sociais e aos direitos humanos.
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Chamo-me Graciete Cazequeza e tenho 27 anos. Sou angolana de Luanda e licenciada em Ciências da Comunicação- ramo Jornalismo pela Universidade Lusófona do Porto. Apaixonada por contar histórias, dedicada à comunicação ética, humana e transformadora.