Ricardo Araújo Pereira defende Joana Marques: “Querem que o tribunal diga que não são ridículos”
O humorista Ricardo Araújo Pereira prestou depoimento no terceiro dia do julgamento dos Anjos contra Joana Marques. Defendeu a liberdade do humor, ressaltando que o contexto é fundamental para diferenciar uma ofensa de uma piada, e afirmou que os queixosos buscam algo impossível.
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O humorista Ricardo Araújo Pereira foi ouvido nesta segunda-feira como testemunha no terceiro dia do julgamento entre os irmãos Sérgio e Nelson Rosado, da banda Anjos, e a humorista Joana Marques.
Durante o depoimento, no Juízo Central Cível de Lisboa, RAP defendeu a liberdade do humor e criticou a visão de que este possa ser considerado uma agressão.
Questionado sobre o vídeo polémico em que a banda tocou o hino nacional numa pista de motas, o humorista afirmou que Joana Marques fez uma “interpretação que condensa as partes às quais achou mais graça”. Destacou uma parte em que um dos membros faz um som “uo, uo, uo” durante o hino, que classificou como algo “vetusto”. “Quando Alfredo Keil e Henrique Lopes Mendonça escreveram o hino, não pensaram em alguém a fazer uo uo uo”, disse, frisando que não fazia um “juízo de valor”.
Sobre o termo “assassinar o hino nacional”, RAP esclareceu: “Quando se diz que alguém assassina uma música, ninguém está a meter a pessoa no mesmo patamar de Rosa Grilo.”
A advogada dos Anjos confrontou o humorista com declarações suas na imprensa e num podcast de 2019 sobre “ética do humor”, em que alegadamente teria dito que “o humorista deve estar consciente do impacto do humor” e que “nem todos os alvos são iguais”. Ricardo Araújo Pereira respondeu: “Acho mesmo improvável que tenha dito isso. O que está a citar é o que alguém disse que eu disse. Se eu disse isso nessa altura, duvido que não venha precedido de um ‘há quem ache que’.” A advogada insistiu: “Não, o senhor falou no eu.”
Questionado sobre a divulgação de fotos da sua casa, que já o levou a mover uma providência cautelar que ganhou, RAP lembrou: “Foi só um clique, foram segundos.” A juíza reforçou: “As pessoas famosas têm direito à privacidade.”
Sobre a retirada do vídeo de Joana Marques, foi categórico: “Retirá-lo seria uma assunção de culpa que não existe. O vídeo não comete nenhum ilícito.” Acrescentou que isso poderia criar um “precedente” para futuros casos.
A advogada de Joana Marques perguntou se RAP já teve “tentativas de contacto por parte dos visados dos trabalhos que faz” e como reagiria. O humorista afirmou que não retiraria o vídeo.
Em resposta à advogada dos Anjos, que questionou sobre um encontro com o Papa Francisco, RAP explicou que o pontífice não impôs limites ao humor. No diálogo, ele respondeu: “Não. O texto era uma reflexão sobre o humor.” A advogada insistiu que o Papa teria dito que “o humor não ofende e não humilha”, ao que RAP respondeu: “Ele disse que o humor não humilha nem ofende. Como o humor não é sério, não tem potência.”
A juíza acrescentou que “temos uma lei, não vai incorrer a lei.” RAP concluiu: “Toda a gente pode dizer tudo, aquilo que não se pode dizer está na lei… Se eu baixar o vidro do carro e chamar-lhe cabra, não é humor. Importa o contexto.”
Quanto às consequências do vídeo, RAP comentou: “Se alguém os ameaça de morte, para eles é indiferente, mas se alguém se ri deles, pedem um milhão de euros.”
À chegada ao tribunal, o humorista disse à imprensa: “Estamos aqui por causa de uma perspetiva segundo a qual o humor é uma agressão. Não é apenas uma agressão. É a pior das agressões.” Sobre os queixosos, afirmou: “O que os queixosos querem é uma impossibilidade: que o tribunal diga que não são ridículos. E não é possível porque somos todos.”
Na primeira parte do terceiro dia do julgamento, começou o depoimento do contabilista da banda Anjos, Bruno Miguel Santos, arrolado pela defesa dos irmãos Rosado. Durante o seu testemunho, apresentou dados financeiros do grupo e respondeu às alegações relativas às receitas da banda no período em análise.
Bruno Santos notou que em 2022, ano em que o vídeo da Joana Marques foi divulgado, a banda faturou 448 mil euros, valor que caiu para 270 mil euros no ano seguinte. Mesmo assim, esses números ficaram acima dos anos anteriores, quando a faturação esteve em cerca de 89 mil euros (2020) e 105 mil euros (2021).
A defesa de Joana Marques não deixou passar a oportunidade e questionou o contabilista: “Curioso que o ano em que se apontam os supostos danos foi também o de maior faturação. Como explica isso?”
Bruno Santos rebateu, lembrando que antes do vídeo, em 2018, a banda já tinha faturado 280 mil euros, subindo para mais de 400 mil em 2019.
Sobre se, sem o impacto deste caso, os números de 2022 a 2024 teriam sido ainda maiores, o contabilista foi direto: “Sim, acredito que sim.”
A audiência decorreu num tribunal praticamente cheio, apesar do pedido da defesa de Joana Marques para que o julgamento fosse à porta fechada.