Roya Karimi: a afegã que transformou a fuga em liberdade e fez do fisiculturismo o seu lugar no mundo

Roya Karimi, atleta afegã radicada na Noruega, tornou-se uma das novas figuras do fisiculturismo europeu
Foto: Instagram de Roya Karimi
Refugiada na Noruega desde 2011, Roya Karimi encontrou nos treinos a força que nunca pôde ter na infância. Aos trinta anos, a atleta afegã soma medalhas, visibilidade e prepara-se para disputar o Mundial de Fisioculturismo em Barcelona, acompanhada por mais de 89 mil seguidores no Instagram.
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Quando pisa o palco, a luz apanha-a de frente e o brilho quase ofusca. O biquíni incrustado de cristais cintila a cada movimento, a pele bronzeada evidencia músculos definidos e o cabelo loiro, arranjado ao detalhe, completa a presença de uma atleta que já habituou o público europeu à elegância e à força. No instante antes de entrar, Roya Karimi inspira fundo. Talvez seja a memória do que não pôde ser em criança que lhe dá este fulgor.
Aos trinta anos, Roya é uma das atletas mais promissoras do fisiculturismo europeu e prepara-se para competir no Campeonato Mundial da Federação Internacional de Fitness e Fisiculturismo, esta semana, em Barcelona. Uma conquista que contrasta com o lugar de onde veio.
A atleta cresceu no Afeganistão, num ambiente profundamente conservador. Foi casada quando ainda era criança e tornou-se mãe na adolescência, numa vida marcada por regras rígidas impostas à presença e ao corpo das mulheres. Muito antes do regresso dos Talibãs ao poder, já vivia com limitações diárias que a impediam até de praticar exercício.
Em 2011, Roya tomou a decisão mais difícil: fugiu com a mãe e o filho pequeno. Sobre essa viagem, mantém o silêncio. "Não é uma fase que goste de recordar", reconhece. Mas foi o gesto que lhe permitiu recomeçar.
A Noruega recebeu-a com frio, incerteza e um idioma desconhecido. Entre aulas de norueguês, trabalhos temporários e burocracias, construiu uma base sólida. Formou-se em Enfermagem e trabalhou num hospital de Oslo, determinada a dar ao filho a estabilidade que não tivera.
Foi nesse período que entrou pela primeira vez num ginásio. Não procurava medalhas - apenas um espaço onde pudesse respirar. "Cada vez que vou treinar lembro-me de que houve um tempo em que nem me era permitido fazer exercício livremente", disse em entrevista à BBC News. O treino tornou-se um lugar de autonomia e, pouco depois, de futuro.
Na mesma sala conheceu Kamal Jalaluddin, compatriota e atleta experiente, hoje marido e maior aliado. "Antes de conhecer o Kamal, fazia desporto, mas não a nível profissional. O apoio dele deu-me coragem para seguir um caminho competitivo e romper tabus. Quando um homem apoia uma mulher, coisas incríveis podem acontecer", afirmou à publicação.
A vida nova, as liberdades e os riscos
Há dezoito meses, Roya Karimi decidiu dedicar-se em exclusivo ao fisiculturismo, deixando a carreira de Enfermagem. O passo era arriscado, mas maior ainda foi a adaptação a uma liberdade que, durante anos, lhe tinha sido negada. "O mais difícil foi romper as fronteiras e as regras que outros tinham imposto. Mas, quando decidimos inovar, temos de nos libertar dessas amarras", explicou à BBC News.
A visibilidade trouxe resultados e problemas. As poses em palco, o biquíni brilhante, o cabelo solto e a maquilhagem carregada chocam com as normas impostas às mulheres no Afeganistão, sobretudo desde que o Talibã voltou ao poder em 2021. Nas redes sociais, Roya recebe críticas, insultos e até ameaças de morte.
Ainda assim, resiste. "As pessoas só veem a minha aparência e o biquíni. Mas por trás disso há anos de sofrimento, esforço e perseverança. Estas conquistas não vieram facilmente", acrescentou.
Apesar do ódio online, o Instagram - onde soma 89 mil seguidores - tornou-se uma das suas ferramentas mais importantes. Usa-o para falar com mulheres afegãs sobre saúde, autoestima e dignidade num país onde o acesso à Educação e ao trabalho lhes continua vedado. "Muitas não têm os direitos mais básicos. É devastador", lamentou
Em abril, venceu o Stoperiet Open, na categoria Wellness, que valoriza o condicionamento natural e a estética equilibrada. Pouco depois, conquistou o ouro no prestigiado Norway Classic 2025, juntando nova medalha ao percurso. As duas vitórias garantiram-lhe a presença no Campeonato Europeu e abriram portas para o Mundial.
"Tenho um orgulho imenso no que alcancei", diz, a poucos dias do arranque da competição. "Foi uma jornada difícil, mas conquistei tudo passo a passo." No público, estarão o marido e o filho, companheiros de todas as etapas. "Vê-la no palco é ver um sonho que construímos juntos", conta Kamal também à BBC News.
Roya, porém, leva um propósito maior do que qualquer pódio: "Quero fazer história em nome das meninas e mulheres afegãs. Sinto-me mentalmente forte e pronta para dar tudo de mim."
Da fuga ao palco, do silêncio ao aplauso, Roya Karimi transformou o corpo num território de liberdade, e é nesse território que, agora, se prepara para conquistar o mundo.

