Vaticano abre portas a Hollywood e Papa Leão XIV alerta: "O cinema está em perigo"

Leão XIV cumprimenta Cate Blanchett durante a audiência no Vaticano
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De Hollywood ao Vaticano, estrelas como Cate Blanchett e Spike Lee ouviram Leão XIV pedir que o cinema não perca a alma num tempo de incerteza. O Papa alertou para o fecho das salas e defendeu a importância de olhar o mundo de frente.
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A Sala Clementina do Palácio Apostólico ganhou este sábado um brilho pouco habitual. Sob frescos imponentes e uma luz suave que atravessava as janelas altas, mais de uma centena de figuras ligadas ao cinema reuniram-se para uma audiência rara com Leão XIV.
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Entre os nomes mais reconhecidos estavam Cate Blanchett, Monica Bellucci, Viggo Mortensen, Chris Pine, Spike Lee, George Miller, Gaspar Noé, Gus Van Sant e o catalão Albert Serra. O encontro assinalou os 130 da primeira projeção dos irmãos Lumière e atraiu a atenção da comunidade cinematográfica internacional.
Leão XIV entrou com a saudação A paz esteja convosco, recebida por um aplauso que quebrou a rigidez da sala. Minutos depois, lançou o aviso que marcaria toda a sessão ao afirmar que o cinema "está em perigo".
O pontífice explicou estar preocupado com o desaparecimento crescente de salas em cidades e bairros de todo o mundo, algo que considera uma ameaça à dimensão coletiva da sétima arte. Sublinhou ainda que esta experiência partilhada é essencial para a vida cultural e social e pediu a governos e instituições que protejam aquilo a que chamou "um atelier de esperança", num tempo dominado pela incerteza e pela saturação digital.
O Papa dirigiu-se também aos criadores presentes e apelou a que o cinema mantenha atenção às "feridas do mundo", citando a violência, a pobreza, o exílio, a guerra, a solidão e as dependências.
Para Leão XIV, o bom cinema não transforma o sofrimento em espetáculo, mas procura compreendê-lo com "profundidade humana". E desafiou os artistas a resistirem à lógica repetitiva dos algoritmos ao defenderem "a lentidão, o silêncio e a diferença".
Entre conversas, ofertas e partilhas improváveis
Depois do discurso, Leão XIV permaneceu de pé quase uma hora a cumprimentar individualmente os convidados. Spike Lee foi dos primeiros a aproximar-se e presenteou o Papa com uma camisola dos New York Knicks, personalizada com a inscrição Pope Leo 14.
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Pouco depois, Albert Serra conversou alguns minutos com o pontífice e falou-lhe de "Tardes de solidadão", o seu documentário de 2024 dedicado ao matador peruano Andrés Roca Rey. O realizador classificou o ambiente no Vaticano como misterioso e considerou que, embora não veja o cinema em risco, achou o discurso papal "muito bom", sobretudo por incentivar a filmar "o desastre e a experiência humana".
O momento mais simbólico da manhã envolveu Cate Blanchett, que retirou do pulso uma pulseira azul e a entregou a Leão XIV. Mais tarde explicou tratar-se de uma pulseira solidária com os refugiados, causa que representa como embaixadora de boa vontade do ACNUR. "Entreguei-lha em solidariedade com todas essas pessoas", afirmou, descrevendo a audiência como "realmente inspiradora" e defendendo que as palavras do Papa deveriam ser ouvidas por ministros da Cultura em vários países.
A receção terminou com um lanche numa galeria decorada com lápidas antigas e vigas recuperadas de uma embarcação do imperador Calígula. Entre conversas informais, Gaspar Noé mostrou entusiasmo com o incentivo papal a explorar as zonas mais obscuras da experiência humana e ofereceu a Leão XIV um blu-ray de "Vortex", o seu filme de 2021.
No encerramento, o Papa lembrou que o cinema nasceu como um jogo de luzes e se transformou numa arte capaz de iluminar as perguntas mais profundas da humanidade. Deixou ainda um pedido final aos presentes ao afirmar que o cinema deve continuar a ser um lugar de encontro, uma casa para quem procura sentido e um idioma de paz.

