O ator e produtor Virgílio Castelo não embarca na "onda" de otimismo com as séries nacionais. Diz que oferta no "streaming" é penalizadora e que os orçamentos baixos não deixam que se gravem as cenas todas.
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Considerado como um "senador" da ficção nacional, depois de representar papéis há mais de 40 anos e ter sido consultor da SIC ou da RTP em vários projetos, Virgílio Castelo, que completa 71 anos no próximo dia 26, observa o futuro "com muita preocupação". Um contraponto à onda de entusiasmo que se vive no meio, depois de "Glória" e "Rabo de Peixe" terem chegado à Netflix.
"Acho que a oferta que há em "streaming", que permite ao público ter várias plataformas e ver ficção em qualquer lado e a qualquer momento, está a fazer renascer a ficção em termos mundiais, mas Portugal não está a acompanhar", refere o ator ao JN, à margem das gravações da novela "Senhora do Mar",na ilha Terceira, Açores. "Não temos dinheiro. E tenho algum receio que, quando tivermos, vai ser muito tarde para apanharmos o comboio", prevê.
Há alguns anos, Virgílio Castelo tinha uma posição diferente sobre o que se faz em Portugal. "Houve uma altura em que estava mais otimista. Achava que estávamos no bom caminho, de maior equiparação com o que se ia fazendo lá fora, mas com a vinda do "streaming" mudei-a: ou acontece qualquer coisa ao nível do investimento, seja ele do Estado ou de privados, ou acho que vai ser muito difícil para nós".
Dez vezes superior no Brasil
Antes de dar a vida a "Adérito" de "Senhora do Mar", o ator esteve no Brasil a gravar o "remake" da série "D. Beija". "Estive agora no Brasil com a Rita Pereira. É uma série de 40 episódios. O orçamento de um episódio é dez vezes mais do que um de uma novela portuguesa. E o dinheiro não é preciso para todos ganharmos mais, mas para fazer as cenas. Como não temos dinheiro, não fazemos todas as cenas que são precisas e o produto fica coxo. É isto que me preocupa", remata, sobre o assunto.
Sobre a sua personagem na novela da SIC, Virgílio Castelo descreve-a como "cética". "É um antigo baleeiro e vive com a beata mais militante, a "Genoveva", interpretada pela Rita Blanco. Ele faz o contraponto em relação aos alegados milagres e é a voz da razão". E destaca a amizade com "Abel": "É a personagem de Zeca Medeiros. Está sempre a tentar animá-lo e a fazer que a vida lhe sorria".
O ator elogia a profissão "dura" que garantiu o sustento de muitos açorianos há séculos. "A vida dos baleeiros devia ser uma coisa inacreditável. Há uns anos fiz um filme sobre pesca do bacalhau e apercebi-me da violência que aquilo era. Eles tiveram vidas muito duras, mas têm capacidade de enfrentar a vida e lutar contra as adversidades, que acho que os pescadores todos têm de ter", conclui.