Corpo do artigo
José Leite Pereira: Carvalho da Silva, anteontem, garantia que José Sócrates lhe tinha dito que não haveria mexidas nos despedimentos.
[videojn:1735700]
Carvalho da Silva: O que o primeiro-ministro transmitiu foi que não haveria mexidas na legislação relativa ao despedimento, quer individual, quer colectivo.
JLP: E ficou tranquilo?
CS: Não, porque há diversas formas de chegar a objectivos que podem ser preocupantes. Tem-se falado mais no despedimento colectivo, num formato que é a perspectiva que o governo avançará e anda a discutir com empresários ou representações empresariais, e não sei se com mais alguém, de um formato de mobilização de recursos para o despedimento, num contexto em que o que precisamos é de mobilização de recursos para a criação de emprego e para o investimento.
JLP: Professor, escreveu no JN que a preocupação, se não quisermos recuar 25 a 30% no nosso nível de vida, deve ter uma primazia que é a de crescer. E estabelecia duas condicionantes: o défice e a erradicação da pobreza. Neste contexto, aconselharia a que se mexesse na lei dos despedimentos?
Alberto Castro: Tenho dúvidas, porque não se pode ignorar a situação social e o nível elevadíssimo de desemprego que já existe e, por isso, o bom senso aconselharia que, a mexer, se mexesse com muito cuidado. E há uma razão adicional que é o facto de que a justiça funciona mal. São tempos difíceis, em que tem que haver equilíbrio, bom senso, e daí que dissesse que, por razões de honra, temos que cumprir com os compromissos da dívida e do défice e por razões de civilização questões como a pobreza e como a fome devem ser uma prioridade no combate. Mas só podemos sair deste buraco crescendo, e temos que encontrar formas de convergência sobre como se consegue crescer. E não me parece, de facto, que a questão dos despedimentos seja um factor crucial.
JLP - Estas questões de civilização levam-nos também à questão do valor salário mínimo.
CS - Precisamos mesmo de crescer, de crescimento económico e, em simultâneo, de procurar a criação de emprego fora dos velhos conceitos de que só é possível criar emprego acima de determinada taxa de crescimento. É preciso voltarmo-nos para campos novos de criação de emprego, de emprego útil ao desenvolvimento da sociedade, à situação que as pessoas vivem. Estamos longe do que desejávamos, mas caminhamos nesse sentido.
JLP - Sobre isso, acho que ninguém tem dúvidas...
CS - É que têm dúvidas. O que está em causa é um confronto muito sério, aqui como na Europa toda. A Europa tornou-se primeiro parceiro comercial do mundo com este modelo de crescimento, com este modelo social. Poderá dizer-se que estamos noutro tempo, e esse é um desafio. Nesta mudança de milénio, a globalização tomou uma outra concepção e a Europa não vai ter acesso às matérias-primas nas mesmas condições que teve nas décadas passadas. Outros factores se alteraram, mas é bom termos a noção de que há quem comece a querer encaminhar o salário de novo para o conceito de retribuição, de subsistência. Não pode ser. Quando dizem que não há ninguém que defenda o despedimento de qualquer forma, não é verdade. Há, neste momento, forças políticas e sociais de Direita que defendem a liberalização absoluta do despedimento.
JLP - Acha que todas as empresas portuguesas podem pagar os 500 euros s de salário mínimo?
CS - O valor do salário mínimo é justo, é indispensável.
JLP - A questão, neste momento, não é de justiça; é saber se algumas empresas podem pagar.
CS - Quanto significa o aumento do salário mínimo para 500 euros? Significa 82 cêntimos por dia. Se uma empresa não tem espaço de manobra na sua estratégia para fazer pequenos reacertos para encontrar 82 cêntimos por dia, então o futuro da empresa é uma interrogação.
JLP - Mas é disso que estamos a falar, do futuro das empresas.
CS - A generalidade das empresas não tem esse problema.
JLP - Admite excepções, portanto...
CS - Admitimos situações pontuais onde poderá ser necessário encontrar contrapartidas. Mas os grandes problemas das empresas hoje são dos chamados custos de contexto, o aumento da electricidade, o aumento das comunicações, de produtos energéticos diversos, os custos da burocracia.
JLP - Confesso que ainda não o tinha ouvido dizer que admitia excepções...
CS - Desde sempre dissemos que pode haver situações pontuais, agora não se pegue nas situações pontuais para generalizar e dizer que não se aumenta o salário mínimo.
AC - Há dois ou três comentários do CS que merecem referência. Temos um mercado de trabalho com uma parte bastante rígida, bastante protegida, e uma parte muito pouco protegida. E era mais saudável termos um mercado de trabalho mais equilibrado, com menos contratos a prazo e menos recibos verdes, e tornar as coisas mais transparentes e isso pode exigir algumas cedências, é uma questão negocial. E aquela ideia de que não se cede o que tem conseguido produzir é uma situação muito assimétrica, com uma incidência muito grande, da parte flexível do mercado de trabalho, da parte quase selvagem, em gente nova, das pessoas que entram em primeiro lugar para o mercado de trabalho, e seria desejável que fosse mais equilibrado.
CS - Nós não temos uma protecção no emprego mais forte do que a generalidade dos países europeus.
AC - Temos, no que diz respeito, ao despedimento individual, no colectivo é fácil, em Portugal.
CS - No colectivo é mais que fácil. E no despedimento individual, a nossa legislação é idêntica à legislação de um conjunto de países desenvolvidos. Não julguemos que, por exemplo, a França, a Alemanha, um conjunto de países, têm mais facilidade no despedimento individual.
AC - Mas acho que é um erro estarmos sempre a pensar as coisas em termos de suspeições sobre o que fazem os patrões ou sobre o que fazem os sindicatos. Porque, a certa altura, temos uma situação um pouco paradoxal que é as confederações patronais a dizerem o que é que os sindicatos deviam fazer e os sindicatos a dizer o que é que os patrões deviam fazer. Um dia destes, quase que apetece dizer: troquem lá de lugares que isto vai ao sítio. Relativamente à questão do salário mínimo, a maior parte dos empresários com quem eu tenho falado, principalmente empresários de sectores mais abrangidos pela questão do impacto do aumento do salário mínimo, as pessoas não têm dúvidas que 500 euros é pouco dinheiro. A questão é que, em algumas dessas empresas, dois terços dos trabalhadores, de facto, estão no salário mínimo. E, primeiro, são empresas importantes do ponto de vista exportador, de sectores tradicionais como o têxtil, vestuário, calçado, da madeira e, mais do que isso, são empresas que estão sujeitas a uma concorrência internacional que lhes dá muito pouca margem. Às vezes diz-se "são 80 cêntimos por dia", mas se tivermos 100 trabalhadores a ganhar o salário mínimo, ao fim do ano são 30 ou 40 mil euros. Para muitas dessas empresas, se lhe somarmos alguns destes custos adicionais, pode ser a margem que faz a diferença. Temos uma opção: podemos esticar o salário mínimo mais para cima, mas temos que ter a noção que vamos viver com uma taxa de desemprego ainda mais elevada.
CS -É como sindicalista, como cidadão que observa a realidade portuguesa, que digo que esta insistência de que a resolução dos problemas das empresas passa sempre pela redução dos salários e pela legislação é um vício que não tem sentido, é a negação do desenvolvimento. Os salários pesam nos custos globais de produção, em termos médios, no nosso país, contando todas as áreas e serviços privados e públicos, à volta de 3,5%.
AC - Não pode meter tudo no mesmo buraco... Porque para as empresas grandes...
CS - Um amigo que há três anos é responsável por uma multinacional de comercialização de automóveis diz-me que os custos de pessoal representam nos custos globais da empresa em Portugal 3% e quase todos os meses recebe uma orientação para cortar nos custos salariais. Há empresas grandes cujos custos salariais são de 4, 5, 6, 8%. A média nacional é de 3,5% e isto significa que, em termos médios, quando temos de discutir as questões estratégicas do crescimento, do desenvolvimento, temos de discutir os outros 86,5%.
AC - Mas, como sabe, a média é uma das grandezas mais enganadoras. Um dos problemas que há em relação a esse tipo de abordagem é a viciação de uma discussão muito distante do problema concreto. Desçamos às questões concretas e proponham-se alternativas. Por exemplo, aceitar que o pagamento pudesse ser feito não à priori mas à posteriori, em função dos resultados das empresas.
CS - Na minha experiência de sindicalista já negociei todo o tipo de situações, incluindo essa. Agora, como se sabe, a possibilidade de controlo das partes sobre os resultados das empresas não é igual, é muito complicado, e as manipulações...
JLP - Teria de haver contas transparentes...
AC - Mas, então, envolva-se a Câmara de Técnicos de Contas nesse processo. É uma forma, inclusivamente, de combater a economia informal.
CS - Pois, porque geralmente fica-se a rodopiar sempre sobre as mesmas coisas. Precisamos de olhar o aparelho produtivo, de uma espécie de programa-guia para cada sector de actividade, para revitalizar a economia. Perdemos produtividade pela queda do aparelho produtivo. Não foi pelo problema do salário mínimo. Há situações pontuais onde é preciso discutir o salário mínimo. Mas temos de tratar de produtividade a sério.