A máxima "amigos, amigos, negócios à parte" pode aplicar-se às relações entre o Cardeal-Patriarca Manuel Cerejeira e o presidente do Conselho, António Salazar, afirmou a historiadora Irene Flunser Pimentel.
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Flunser Pimentel é autora de uma biografia do prelado, "Cardeal Cerejeira - o Príncipe da Igreja", que será apresentada dia 09 de Março pelos historiadores Rita Almeida Carvalho e António Matos Ferreira na Livraria Bulhosa/Entrecampos, em Lisboa.
"Entre os dois [Salazar e Cerejeira] houve desaguisados e reticências, mas eram 'naturalmente católicos' como afirmavam, tinham idênticas influências filosóficas, políticas e ideológicas, e apesar de ambos terem nascido em famílias relativamente pobres, ascenderam ao topo da hierarquia do Estado e da Igreja", disse Irene Pimentel à agência Lusa.
A historiadora sublinhou o facto de, "apesar de virem de famílias relativamente pobres, defenderam sempre, ao contrário do seu percurso, as elites e que estas se deviam reproduzir".
A biografia é sobre o homem público, já que Irene Pimentel não se preocupou em conhecer a vida privada do Cardeal-Patriarca, que "nesse aspeto era muito reservado".
Todavia, revela que o prelado lia Jean-Paul Sartre "e conhecia o marxismo".
"Cerejeira tinha a noção de que para criticar e combater tinha que saber, conhecer", afirmou.
Fazendo um retrato do homem que esteve à frente da Igreja Católica portuguesa de 1930 a 1971, a autora cita Luís Moita, um dos sacerdotes demissionários do Seminário dos Olivais, em 1968: "Era um homem inteligente e culto, sinuoso e insinuante, mas excessivamente prudente e com uma capacidade de fugir às questões difíceis".
A historiadora não concorda com "um certo branqueamento da figura e do papel do Cardeal durante o Estado Novo, que potencia as divergências havidas".
"A realidade é mais complexa, há uma utilização da Igreja Católica pelo Estado Novo e a Igreja serve-se do Estado Novo", sentenciou.
A autora refere algumas polémicas entre os dois, e até entre Cerejeira e o então ministro da Educação Nacional, António Carneiro Pacheco, no tocante à criação da Mocidade Portuguesa.
"A Igreja achava que o Estado lhe estava a tirar um campo onde já estavam instaladas as diferentes organizações juvenis católicas".
Caso mais agudo foi quando o Estado se propôs acabar com o escutismo católico.
"Cerejeira chega a afirmar que defende essas organizações como uma forma de o regime não se tornar totalitário", referiu Pimentel.
Tanto Cerejeira como Salazar advogavam a separação entre o Estado e a Igreja, inicialmente monárquicos, criticavam já o relacionamento entre a Igreja e a monarquia constitucional, a forma como os padres se sentavam à mesa do orçamento de Estado".
Quer o estadista quer o clérigo "eram dois estrategas e depois do período mais fatal de relacionamento, na década de 1930, Estado e Igreja dividem tarefas".