O ex-ministro socialista João Cravinho afirmou, esta terça-feira, que o PS tem de votar contra o próximo Orçamento e que está "rompido o consenso" em relação ao programa de ajuda externa, acusando o Governo de "violência inaudita".
Corpo do artigo
"Sou um cidadão preocupado, interessado e francamente espantado com o caminho que as coisas estão a tomar. Não é preciso ser jurista para perceber que há aqui uma violência inaudita, que há uma falta de sensibilidade, eu diria mesmo uma falta de imaginação", afirmou Cravinho aos jornalistas, na Faculdade de Direito de Lisboa, onde assistia a uma conferência sobre "A austeridade vista pelo Tribunal Constitucional".
Para o antigo ministro, "segue-se o livro da cartilha, faz-se experimentação social como nunca se fez, fala-se, escreve-se, legisla-se e, pelos vistos, executa-se num sentido que é completamente livresco: as equações que aparecem nos livros de teoria económica da direita estão sempre certas, nunca são desmentidas pelos factos, as pessoas é que não entram nessas equações".
"E a realidade concreta da gestão pública está à vista, um completo desastre", afirmou, acrescentando que dado o "fracasso total" das "previsões" do Governo e da 'toika' da ajuda externa, "um mínimo de honestidade e de humildade seria altamente recomendável".
Assim, para João Cravinho, "entre aqueles que seguem o ideário socialista" e a maioria dos "apoiantes socialistas", e o Governo, "está completamente rompido o consenso" em relação ao programa de assistência financeira e o PS não pode votar favoravelmente o próximo Orçamento do Estado.
"O PS já no orçamento anterior não deu, nem de longe nem de perto, a melhor justificação [para a abstenção]. A orientação dos dirigentes socialistas foi completamente ao lado daquilo que deveria ser. Estávamos a falar de questões de direitos fundamentais e de justiça, não estávamos a falar de questões de contabilidade, se havia ou não havia algumas bolsas disponíveis", afirmou.
"Nestas condições agora, nem me passa pela cabeça que o PS possa votar um orçamento destes. E, por outro lado, nem me passa pela cabeça que o PS não saiba explicar isso à opinião pública e obter o apoio da grande maioria dos portugueses para a sua posição", acrescentou.
Questionado sobre se está também "rompido o consenso" do PS com a 'troika', Cravinho respondeu: "Com a 'troika' também, que a 'troika' não é aqui inocente. Esta questão da Taxa Social Única é um devaneio teórico do economista chefe do FMI", afirmou, sublinhando que nunca houve um país que "aceitasse fazer um avanço nesse sentido".
"Hoje isso é imposto a Portugal e é claro que há aqui uma capitulação total do Governo, que tinha rejeitado a sujeição do pais a esse experimentalismo, aqui há um ano, há meses, e agora para obter o acordo e o ámen e também, ao que me parece, o diferimento das metas do défice, veio aqui transformar os portugueses naquilo do que não é mais do que cobaias de um devaneio", destacou.
Cravinho considerou ainda que o presidente da República "se demitiu das suas funções" quando "evitou" a fiscalização preventiva da constitucionalidade do Orçamento de 2012, "apesar de ele próprio ter dito, afirmado, mostrado à opinião pública que considerava inconstitucional aquilo que estava ele próprio a assinar".
"É a mesma coisa que dizer: «Eu não existo para estes efeitos por esta ou por aquela razão, todas elas esfarrapadas»", considerou acrescentando que Cavaco Silva poderia também ter pedido a fiscalização sucessiva da lei orçamental de 2012.
"O presidente fez aqui, a expressão é duríssima, tenho o mais desgosto em pronunciá-la, de um boneco presente", afirmou.