Às 20 horas de ontem - segundo as autoridades, para aproveitar as boas condições da maré, mas bem a tempo de aparecer na abertura dos telejornais -, as máquinas começaram a demolir o que restava do penedo que, na quinta-feira, desabou e matou cinco pessoas, na praia Maria Luísa, em Albufeira.
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Dezenas de veraneantes prolongaram a praia, já depois do pôr-do-sol, para assistir e registar o momento em fotografias, mas também houve quem preferisse não assistir.
Vitoriano Cabrita, capitão de mar e guerra da Marinha Portuguesa, tem casa na zona e frequenta a praia há mais de 30 anos. Garante que já por diversas vezes alertou várias pessoas para o perigo de estarem demasiado próximo das arribas, mas "as pessoas não querem saber". "Faltam os cabos de mar da Marinha que, antigamente, impunham respeito", clama aquele oficial reformado, lamentando que o trágico acidente "não sirva de lição". Embora concorde com a demolição, o oficial sente-se "emocionalmente ligado à praia" e à rocha ontem parcialmente derrubada, pelo que preferiu não assistir ao trabalhos das três máquinas que, a pouco e pouco, desfizeram o penedo até uma dimensão considerada segura. Com um simples encosto, a rocha desfazia-se numa nuvem de pó. A memória não será apagada: o que resta servirá de registo e também de protecção à falésia.
Embora tenham uma casa perto da praia, Ema e Ventura Guerreiro, um casal de emigrantes portugueses na Alemanha, só ontem foram ao local do acidente. "Não temos tido coragem. Ficámos muito chocados", dizia Ema, 60 anos. "Não conhecia as pessoas, mas são de carne e osso como a gente. Uma família inteira", lamentava, emocionada.
Crítico, o marido aponta o dedo às autoridades. "Estava à frente dos olhos de toda a gente que isto um dia ia acontecer. Agora, passou-se. Já é tarde", dizia, referindo-se à demolição. "Quem é que vai pagar? Quem é que paga os remorsos e a dor da família?", perguntava. "O Governo tem muita culpa. Deviam ter vedado isto".
A questão da responsabilidade era uma das mais levantadas, ontem, pelos frequentadores da praia. "Estou mesmo a ver que a culpa vai morrer solteira, como aconteceu na ponte de Entre os Rios", dizia, ao JN, José Castanheira, 57 anos. "Sei que isto não vai dar em nada. Não devia ser só pôr lá uma placa e fitas à espera que aquilo caísse. Tinha de se ter cortado o mal pela raiz".
O ministro do Ambiente, Nunes Correia, assistiu aos trabalhos: "Não sei se há culpa. Há responsabilidade, em primeiro lugar, minha, mas responsabilidade não significa culpa".