A necessidade de encontrar 1,3 mil milhões de euros decorrentes da decisão do TC deixa o ministro das Finanças exposto a caminhos de "areias movediças". Ficam aqui quatro dos maiores obstáculos.
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1- Imperativo da despesa
Com a decisão do Tribunal Constitucional, o Governo fica com um saco de batatas quentes no colo. Se o OE/2013 já era mal visto à luz das boas práticas internacionais de finanças públicas porque o aumento da receita pesava 81% do pacote de medidas de consolidação orçamental (o aumento dos cortes na despesa apenas 19%), agora o problema é a dobrar: o défice sobe ainda mais (mais 1300 milhões de euros na sequência da decisão dos juízes) e o pacote de medidas de consolidação só fica com medidas do lado da receita, já que as da despesa são todas comidas pela reposição de subsídios (decisão do TC no ano passado) e pelo menos 1500 milhões de euros brutos que vai ser obrigado a repor com o acórdão. Resumo: Gaspar está encostado à parede da despesa pública. Só vai quer (e poder) ir por aí. É, contudo, um grande argumento para ser ainda mais agressivo na reforma do Estado e no corte dos apoios sociais. O TC frisou que o Governo devia ter pensado num plano de contingência pelo lado da despesa. A pressão é alta. Todos os olhos estão postos na reforma do Estado. E em saber se Gaspar aguenta esta pressão, sem recorrer outra vez aos impostos.
2 - Tentação dos impostos
É mais fácil e rápido do que mexer na despesa e costuma dar milhões. O TC não levantou problemas nas alterações ao IRS e na CES, o que significa que ainda pode haver aqui uma janela de oportunidade. O problema é que a recessão pode fazer descarrilar os impostos. O consumo em queda afeta o IVA, o desemprego e a compressão salarial o IRS. Menos consumo e menos poder de compra afeta o IRC das empresas. Mas alguma coleta haveria de dar, sobretudo se vier a incidir sobre a classe média/alta. Mas teria pouco apoio da troika e ainda menos do eleitorado (este ano há autárquicas).
3 - 2.0 Programa de Ajustamento
Economist, Fitch e outras casas de análise dizem que é provável o país ter um segundo programa por causa da pressão do serviço da dívida, que é enorme. Portugal só consegue pagar os juros da dívida com o atual pacote de financiamento se não acumular défices primários (o défice expurgado dessa fatura com juros). Ora, a decisão do TC faz subir o défice em 0,8 pontos do PIB, sendo que esse agravamento vai todo ao défice primário. A previsão de base para este ano é que ele suba de 0,5% para 1,1%. Mas assim, sem plano B, vai subir para 1,9%. Se isto acontecer significa que Portugal vai ter menos 1300 milhões de euros (a somar ao desvio de mil milhões de euros que já tinha) para pagar juros que só este ano ascendem a 7200 milhões de euros. A isto acrescem as derrapagens orçamentais esperadas nos impostos, mais a fatura em crescendo do BPN, mais as PPP, mais a limpeza das empresas públicas antes da venda aos privados. Tudo isto reforça a ideia de que o atual programa de tranches pode não chegar.
4 - Regresso aos mercados
É o ponto nevrálgico da estratégia do Governo. A crise do Chipre veio acidentar o caminho e pode deitar por terra o regresso paulatino aos mercados, e vedar o uso dos fundos reservados para a banca que ainda estão de reserva (para pagar as rescisões de funcionários, por exemplo). Se assim for, o segundo resgate completo é quase certo. Se Portugal conseguir, mesmo com mais défice, ter a confiança dos investidores então o cenário é menos mau: pode ser só um programa do BCE com um memorando "cautelar" com condições, claro, como já disse o governador do Banco de Portugal. Mas, em todo ocaso, o dinheiro parece que pode não chegar mesmo. É que o Pacto Orçamental europeu exige que o país comece a reduzir o rácio da dívida, um trabalho de várias gerações, o que fica mais longínquo com o agravamento do défice primário. Daí a ideia de um segundo programa estar a ganhar força: um plano que seria para mais 3 ou 4 anos até ver se o país consegue andar sozinho, sem muletas.