Três especialistas portugueses em assuntos europeus ouvidos pela Lusa sobre os dois mandatos de Durão Barroso na União Europeia estão de acordo num ponto: o português enfraqueceu a Comissão Europeia em benefício dos países mais fortes.
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Viriato Soromenho Marques, Paulo Sande e Isabel Meirelles falam todos de "um apagamento" ou "um esvaziamento" do papel da Comissão no segundo mandato, embora o avaliem de forma diferente.
José Manuel Durão Barroso, que no sábado deixa o cargo de presidente da Comissão Europeia (CE), disse, no Parlamento Europeu, que "a CE tem hoje mais poder".
"Engana-se, tem mais competências. O poder é uma coisa e as competências são outra. O poder (agora) é dos outros, é dos Estados, e do Estado mais poderoso, que é a Alemanha", sustenta Soromenho Marques, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. "Nunca vimos no passado uma Comissão tão prostrada", acrescenta.
Para Paulo Sande, ex-diretor do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal e professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, "a Comissão não desempenhou aquele papel de grande motor, de geradora de iniciativas que pudessem contrariar a crise (...) Foi claramente incapaz de responder de uma forma ativa".
Isabel Meirelles, docente na Ordem dos Advogados, concorda que Durão Barroso "se apagou", mas pensa que fez bem.
A crise gerou "um caldeirão de problemas que Durão Barroso conseguiu gerir, enfim, apagando-se enquanto Comissão Europeia, é certo, mas aqui o protagonismo era dos Estados", disse a especialista, considerando que assim se conseguiu "a colaboração dos países mais fortes" e que, "em momentos de crise económica e financeira, os Estados têm a voz, porque de facto são eles que contribuem para o orçamento da UE".
Paulo Sande e Soromenho Marques também discordam da ideia expressa por Durão Barroso de que, após os seus mandatos, a União Europeia (UE) está mais forte.
"Parece-me de um extraordinário otimismo, ou pelo menos um 'wishful thinking' (um desejo). A UE obviamente não está mais forte do que há dez anos. É verdade que tem mais membros, que tem alguns instrumentos novos, que fez a reforma institucional, mas é também certo que atravessa um período de enorme ceticismo", afirma Sande.
Para Soromenho Marques, dizer que a Europa está mais forte "é uma fantasia total e absoluta" e "um insulto" aos milhões de desempregados e de pobres numa Europa "unida pelo medo e não pela esperança".
Paulo Sande frisa ser "injusto culpar Durão Barroso de tudo o que correu mal", mas considera que "ele podia ter feito mais, talvez tendo mais coragem para enfrentar os riscos que para o seu próprio futuro estavam subjacentes a essa tomada de posição".
Soromenho Marques diz mesmo que "houve um momento em que Merkel deve ter dito: ou ficas ou sais. E ele ficou". Se tivesse enfrentado a Alemanha, Barroso, pelas "notáveis qualidades de trabalho e capacidade intelectual que tem", seria hoje "um ativo europeu", assegura.
Para Sande, a austeridade é "uma imagem fatal" que "fica colada" ao segundo mandato de Barroso, por ter seguido "a cartilha da austeridade" de uma forma "muitíssimo acrítica" e "sem refletir nenhum tipo de preocupações".
Tanto Paulo Sande como Isabel Meirelles destacam como positivo Barroso ter contribuído para que a UE não se fragmentasse.
"Apesar de tudo, a UE não implodiu", como, no início da crise do euro, comentadores e políticos davam como "uma quase inevitabilidade". "Não é sobretudo devido à Comissão, embora a Comissão também tenha participado neste processo", disse Sande.
São "momentos positivos" do segundo mandato, na opinião de Meirelles: "Impediu-se que a Grécia saísse do euro, Portugal e Irlanda saíram com sucesso dos programas de ajustamento e conseguiu-se uma união bancária".