Há médicos de hospitais EPE em licença sem vencimento da Função Pública a exercer as mesmas funções no posto que ocupavam, mas com contrato individual de trabalho e um salário quase dobrado. A prática era corrente até o Governo impor medidas de contenção.
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O recurso é legal: está no decreto-lei 233 de 2005 que transformou os hospitais em entidades públicas empresariais (EPE). Os profissionais em regime de funções públicas podem optar temporariamente por um contrato individual de trabalho desde que lhes seja concedida licença sem vencimento, depois de os conselhos de administração terem feito o "reconhecimento casuístico do interesse público" dessa licença.
Apesar de legal, é "imoral", reage Merlinde Madureira, da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), segundo a qual o caso era prática regular em vários EPE. Os médicos paravam as funções públicas e mantinham-se nos postos, com remuneração equiparada à do regime de exclusividade, o que, para muitos, equivale a quase o dobro do ordenado por mais cinco horas de trabalho semanal.
O Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto foi um dos EPE onde, ainda este Verão, pelo menos oito profissionais beneficiaram deste estratagema. A garantia do presidente do Conselho de Administração, Laranja Pontes, é a de que a prática cessou no momento em que a ministra da Saúde impôs medidas de contenção. Entre elas está a proibição de novas contratações, a não ser com aprovação do próprio gabinete ministerial.
Questionado sobre o "interesse público" de dar licença sem vencimento a médicos para contratá-los individualmente por um preço mais alto, o administrador garante que se tratou de "evitar" que clínicos considerados "pessoas-chave" acabassem "aliciados para o sector privado e, ao saírem, colocassem em causa a qualidade" do IPO, um dos poucos hospitais de gestão empresarializadas com resultados positivos. Um bom resultado que, de resto, permitia multiplicar contratações.
O gabinete da ministra Ana Jorge - que não quis reagir ao caso - foi alertado para ele na segunda-feira, nas negociações da contratação colectiva com sindicatos médicos. "Disse só que não era possível", garante Merlinde Madureira, para quem o facto de decorrerem negociações de carreiras torna ilegal o recurso a estas soluções de contratação.
Para a dirigente da Fnam, trata-se de "fraude com dinheiros públicos". E "pouco transparente" numa "altura de crise", não se sabendo ao certo quem beneficiou, como lamentaram médicos do IPO ouvidos pelo JN. "Criou-se uma injustiça tremenda". Alguns tentaram fazer o mesmo e viram o pedido indeferido devido às medidas de contenção.