O JN, em parceria com a TSF, inicia uma série de Conversas com Norte, um espaço de conversa a dois, com moderador, sobre a actualidade. Pretende contribuir para a mudança de uma sociedade que está doente e que precisa de encontrar novos caminhos.
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José Leite Pereira - Hoje, do que se fala é de crise - económica, sobretudo -, dívidas e juros altos, da necessidade de acalmar os mercados. Como vamos sair daqui?
Alberto Castro - Essa é a que se costuma chamar a "one million dollar question", neste caso, um milhão de euros. Creio que ninguém tem uma solução única para esta situação em que estamos envolvidos, mas o importante é pensar na direcção da solução e não tanto no que nos entristece ou nos arrepia. A solução não pode depender de homens providenciais ou de uma outra solução mais ou menos mítica e foi por isso que sugeri que se falasse directa ou indirectamente do FMI. Por um lado, para se desmistificar: o FMI não é, como dizia um jornal no fim-de-semana, um papão, não é o lobo mau, mas também não é solução. Eventualmente, poderá ter que ser chamado se nós não formos capazes de nos mobilizar, de nos auto-regular, de pensar positivo. Isto passa por mudar comportamentos, desde o quotidiano, até comportamentos mais estratégicos, a médio e longo prazo. Dou-lhe só um exemplo do que não se deve fazer e como estamos completamente desfocados. Ontem, a Cotec, juntamente com o BPI, atribuiu o Prémio PME Inovação. O encontro foi em Lisboa, esteve presente o presidente da República e, no fim, os jornalistas só lhe perguntavam: "Mas o FMI deve vir?" E o presidente respondia: "Não, acho que não deve intervir". Mas os jornalistas insistiam. E, na maior parte das notícias, não se soube qual foi a empresa premiada. A vencedora foi a Polisport, de Oliveira de Azeméis, que faz componentes para bicicletas. Em vez de olharmos para o lado positivo, aproveitámos o pretexto para falar de coisas que nos deprimem mais.
JLP - Estamos a falar de um problema de atitudes.
AC - É uma questão de comportamentos. Temos que ser muito exigentes connosco próprios. Isso vai desde o pormenor da pontualidade, de pensar nos outros - por exemplo quando vamos no trânsito - e de sublinharmos os aspectos positivos que o país tem.
JLP - Deu esse exemplo, mas podíamos dar outros. Os índices de desenvolvimento medem-se, também, pelo número de automóveis que se vendem. Ter automóvel é ainda um sinal de desenvolvimento. É uma atitude errada, professor?
Alexandre Quintanilha - Quando temos alguma experiência de vida, sabemos que todos passamos por momentos difíceis. E, em geral, aprendemos nessas alturas em que se tem que fazer escolhas. Portugal, nos últimos anos, talvez em consequência do muito dinheiro que chegou da Europa, habituou-se a viver a um nível que não era compatível com a sua produção. Olhando para a situação actual, temos indicadores muito positivos: nos últimos 20 anos, fez-se uma grande aposta no conhecimento, na inovação, nos desafios que individualmente se fazem e que as empresas e o Governo têm que fazer. Não nos podemos esquecer que vivemos 300 anos de Inquisição e 50 de ditadura, em que a inovação cultural e científica não era bem vista. E podemos mudar o nosso mundo de duas maneiras: pensar que está mau, mas que temos algumas condições para melhorar, ou fecharmo-nos, com medo e pena de nós próprios, procurando culpados. A crise vai forçar-nos a pensar de uma forma mais realista, ajudar-nos a perceber o que é que nos vai realizar como indivíduos. Hoje em dia, a maioria das pessoas anda a tirar um curso para poder ter um emprego. E isso mostra falta de capacidade de sonho.
AC - Nas empresas, também é assim: gostamos pouco de falar dos erros. Os sucessos são, muitas vezes, episódicos, mas os erros são lições definitivas. A partir de 1986, depois da entrada na CEE, tivemos a ilusão dos fundos. Provavelmente, tudo começou com os Descobrimentos, quando a certa altura começámos a importar recursos: primeiro, o ouro do Brasil; depois, exportar pessoas e, quando deixámos de poder enviar pessoas e receber remessas, vieram os fundos estruturais. Mais tarde, com a moeda única e os juros baixos, ainda melhor: podíamo-nos endividar barato. Há cinco séculos que andamos nisto. O problema vai ser quando começarmos a ver os muitos jovens a deixar o país e a ir embora. Isso será trágico. Temos de fazer um ajustamento entre aquilo que produzimos e aquilo que procuramos. Quando olhamos para os índices de desenvolvimento humano, continuamos a fazer parte dos países mais ricos, podemos é não ter um grande futuro à nossa frente se continuarmos a fazer asneiras. E aqui se percebe a importância das exportações. Quando o país atravessa estas dificuldades, quando tem que se confinar aos seus recursos, vai ter que encontrar mercados lá fora. Recentemente, saíram dados de que as exportações cresceram 15%, muito acima do que estava previsto, uma boa notícia que quase passou despercebida na comunicação social. Concordo com Alexandre Quintanilha, acho que - como dizia o secretário do Obama - "a crise é uma oportunidade demasiadamente boa para ser desperdiçada".
AQ - Esperar que se saia da crise amanhã é impossível. Mas Portugal tem apostado muito nas pessoas. Investimos muito na ciência, no conhecimento, estamos na média europeia e isso vai ter consequências no futuro. Outra questão importante é a globalização, que nos permite usar o nosso talento em qualquer parte do Mundo.
AC - Concordo que se estão a criar bases para um país diferente, mas ainda não sabemos desenhar bem os incentivos, olhamos muito para a despesa. Quanto à globalização, Portugal tem a vantagem de ser muito pouco etnocêntrico, somos pequenos, convivemos bem com outros países, outras culturas. Veja-se o caso do programa InovContacto, que todos os anos manda centenas de jovens trabalhar no estrangeiro. Somado ao Erasmus, começamos a ter uma elite de pessoas que estão à vontade no Mundo. E é importante que depois tenham protagonismo. As políticas deviam caminhar por aí: finalizar.
AQ - Uma educação dirigida para a autoconfiança é fundamental. Uma pessoa autoconfiante faz tudo ou pode fazer tudo. Numa sociedade em que isso não é encorajado, um país que não tem esse tipo de formação, não vai arranjar soluções.