Reconstituição promovida pelo Ateneu Comercial do Porto foi um bom arranque das comemorações oficiais, apesar de alguma falta de rigor que poderia ter sido muito facilmente evitada pelos autores dos textos.
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Da multidão, uma pequena multidão de 2010, temerosa da chuva mas vibrante com a canhonada a fingir, ouviam-se vivas à República. De permeio, gente vestida de forma anacrónica, reproduzindo o que seriam os portuenses de oitocentos, gritava ainda mais alto, acenava, corria, fugia. Na varanda, na a varanda daquele tempo, Alves da Veiga, Miguel Verdial. À espreita, uma carga de cavalaria. Na Praça da Liberdade, por iniciativa do Ateneu Comercial do Porto, uma reconstituição da revolta foi feita entre o público. E isso funciona bem, apesar dos erros de palmatória contidos no guião.
Ao fim da tarde, a varanda do edifício do Banco de Portugal serviu para que a República fosse proclamada. Foi a melhor aproximação conseguida aos antigos Paços do Concelhos, demolidos aquando da abertura da Avenida dos Aliados, em 1916. Na pele de Alves da Veiga, o chefe civil da revolta (não o líder do Partido Republicano no Porto, como erradamente se disse na instalação sonora), o actor António Reis leu uma aproximação ao que terá sido o discurso da madrugada de 31 de Janeiro de 1891, do qual não há registo completo. E leu algumas coisas incorrectas, com destaque para a localização temporal do ultimatum inglês em Novembro de 1890, quando o mesmo foi enviado ao Governo Português no dia 11 de Janeiro desse mesmo ano de 1890. Um lapso grave, atendendo a que foi essa a causa primeira da inssureição republicana.
Tal não chega, porém, para manchar a festa, que, apesar do tão português atraso, foi o primeiro momento de envolvimento da população, integrado nas comemorações oficiais do centenário da República, cuja abertura só hoje será declarada, numa cerimónia presidida pelo chefe de Estado.
Numa praça em que poucos são os elementos que já existiam em 1891 - apenas a estátua equestre de D. Pedro IV, o edifício das Cardosas e, eventualmente, o prédio que faz esquina com a Rua dos Clérigos -, a encenação de Norberto Barroca tentou condensar, no tempo e no espaço, os mais marcantes acontecimentos da revolta republicana (ou episódio insurreccional, expressão que pode surgir no desapaixonado discurso historiográfico). Da festa à tragédia, com corpos no chão, efeitos pirotécnicos e, essencialmente, participação alegre de todos os que assistiam, o centro da cidade anoiteceu com um tipo de ambiente que tanta falta faz àquele espaço, o mais republicano e o mais livre dos recantos portuenses.