Tentativa de golpe, em Janeiro de 1908, foi por todas as razões um fiasco absoluto, resultando apenas na detenção de muitos conspiradores, mas terá contibuído para precipitar o regicídio, ocorrido poucos dias depois.
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Foi pela via revolucionária que a República chegou a Portugal, em Outubro de 1910. Todavia, demorou a que houvesse entre os republicanos consenso no que respeita à tomada do poder pela força. Muitos advogavam que a monarquia deveria ser deposta pela via eleitoral, e foi entre divisões dessas que, a 28 de Janeiro de 1908, dias antes do regícidio, uma tentativa de revolução acabou por ser um fiasco total.
Dessa tentativa resultaria uma lei que daria ao Governo de João Franco plenos poderes para afastar os opositores sem grandes formalidades. No dia seguinte à promulgação desse diploma, estavam mortos o rei e o príncipe real. Mas a queda da monarquia tardaria mais de dois anos.
Se D. Carlos estava descontente com a dureza descontrolada de João Franco, a governar em ditadura desde Maio de 1907, não o mostrava publicamente, mantendo a confiança que fora desde o início sustentáculo do ministro. Daí que, apesar dos protestos gerais, podia o governo proceder a arbitrariedades, como a substituição, em simultâneo, de todas as vereações eleitas do país por comissões administrativas. Arbitrariedades que, entre os mais impacientes republicanos e outros opositores, espicaçavam a urgência de um golpe.
Como dissemos, a impaciência não era comum aos republicanos. A posição do directório era cautelosa, havia o desejo de reforçar o partido, não era possível prever que problemas de aceitação implicaria, a nível nacional, a mudança de regime. Havia posições escritas contra a ditadura, apelando à "causa sagrada da independência e da dignidade da pátria", mas sem incitar à revolução.
Para apressar o golpe, os republicanos mais impacientes juntavam-se aos progressistas dissidentes, mas o ingrediente fundamental foi o envolvimento da Carbonária, sociedade secreta que estava a ser refundada e apontava claramente para o caminho revolucionário. Desde Novembro de 1907, pelo menos, havia uma conspiração em curso, implicando a aquisição de armas e o fabrico de bombas. Foi um acidente em torno destas actividades - o rebentamento de engenhos na Rua de Santo António à Estrela - que levantou suspeitas. Uma outra explosão, na Rua do Carrião, levou à detenção do jovem Aquilino Ribeiro, seguindo-se outras figuras de maior peso, como Luz de Almeida, figura de topo da Carbonária, o jornalista João Chagas ou António José de Almeida, também ele dirigente carbonário, entre outros.
A conspiração foi mutilada, mas não parou. À frente das operações ficava Afonso Costa, que, nota Joaquim Romero Magalhães, "não tinha as qualidades de um conspirador" e "ignorava quase tudo o que tinha sido combinado". Não havia unidade entre os envolvidos (alguns só pretenderiam derrubar João Franco). Marcada para 28 de Janeiro, a revolução era conhecida por demasiada gente, o que constituía uma fragilidade, e o único saldo dessa jornada foi uma série de detenções, incluindo a do próprio Afonso Costa.
A reacção do presidente do Conselho materializar-se-ia no capítulo legislativo. Havia que criar as ferramentas para controlar definitivamente os republicanos: a lei que dava ao governo poderes para "expulsar do Reino ou fazer transportar para uma província ultramarina aqueles que, uma vez reconhecidos culpados pela autoridade judicial competente, importe à segurança do Estado e tranquilidade pública e interesses gerais da Nação afastar, sem mais delongas do meio em que se mostrarem e tornarem perigosa e contumazmente incompatíveis". Foi promulgada por D. Carlos no dia 31 de Janeiro de 1908, em Vila Viçosa. No dia seguinte, de regresso a Lisboa, o rei era assassinado. E tudo mudava.