Jorge Sampaio manifestou-se preocupado com a "crispação" entre os agentes da Justiça, mas defendeu que o poder político, a quem compete fazer reformas, não pode viver "paralisado" nem "amedrontado" pelas corporações judiciárias.
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O ex-Presidente da República falava num ciclo de debates do escritório de advogados Morais Leitão/Galvão Teles subordinado ao tema "Ministério ou Mistério - o exercício da acção penal e o sistema judicial português", que foi presidido pelo ministro da Justiça, Alberto Martins, com a presença ainda do ex-Procurador-Geral da República (PGR) Cunha Rodrigues, do constitucionalista Gomes Canotilho e do antigo ministro da Justiça Laborinho Lúcio.
Jorge Sampaio disse ser preciso encontrar um novo paradigma no relacionamento entre os agentes da Justiça, antes de Alberto Martins fechar a sessão com a mensagem de "consenso, consenso, consenso", após alegar que o diagnóstico da Justiça está feito e que é preciso concretizar as reformas em curso ou já planeadas.
O ex-Chefe de Estado fez críticas ao sindicalismo judiciário por se querer imiscuir na avaliação e funcionamento do sistema, propôs uma monitorização constante e ilimitada da aplicação das leis e pediu vigilância aos "tiques" corporativos que se movimentam no sector, numa alusão à influência e aos meios sofisticados de que certa criminalidade organizada dispõe.
Sampaio defendeu o actual modelo de designação do PGR, alegando que a escolha pelo Parlamento iria gerar a "maior confusão" como sucedeu com o Provedor de Justiça. A possibilidade de o Ministério Público poder ordenar inquéritos e sindicâncias à PJ foi também defendida pelo ex-chefe do Estado.
Quanto à crispação entre operadores judiciários, alertou que isso "perturba" o funcionamento do sistema e dá uma "péssima imagem" da Justiça.
Alberto Martins disse que a Justiça chegou a "um ponto de não retorno" em que é preciso avançar com as reformas, pois os diagnósticos "estão feitos".
Mostrou-se preocupado com o problema da sustentabilidade financeira do sistema de Justiça e apontou a cobrança de dívidas, insolvência, informatização, gestão de recursos, modernização do parque judiciária e mapa judiciário como caminhos prioritários e decisivos.
No plano da criminalidade organizada e sofisticada, Cunha Rodrigues observou que os delinquentes têm hoje "instrumentos poderosos" de acção e até de domesticação do poder. Considerou mesmo que enquanto os beneficiários dessa actividade estiverem em redor da política será difícil fazer algumas reformas.
Gomes Canotilho falou do MP e da legalidade democrática e Laborinho Lúcio sobre "Política e Justiça", num debate em que a formação em Direito pela Universidade de Coimbra de vários dos intervenientes foi tema para piadas e nostalgia à volta de peripécias ocorridas na cidade do Mondego.