O Tribunal Judicial de Faro absolveu, esta terça-feira, Aragão Correia, advogado de Leonor Cipriano - mãe da menina desaparecida no Algarve em 2004 -, e o professor António Pedro Dores, de terem difamado o ex-inspetor da Polícia Judiciária Gonçalo Amaral.
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Aragão Correia e o presidente da Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED), António Pedro Dores, eram acusados de terem difamado o ex-inspetor, que investigou há quase oito anos o desaparecimento de Joana, filha de Leonor Cipriano.
No acórdão, a juíza afirmou que não estavam reunidas as condições para considerar sequer a possibilidade jurídica de condenar António Pedro Dores, presidente da ACED, que difundiu o "Relatório Sobre Tortura de Leonor Cipriano perpetrada pela Polícia Judiciária", objeto do processo levantado por Gonçalo Amaral.
Quanto a Marcos Aragão Correia, cimentou a absolvição no seu cumprimento do dever cívico de denúncia de atos de tortura a que está obrigado cada cidadão e, por outro lado, deu como provado que o advogado de Leonor Cipriano estava convencido de que Gonçalo Amaral era mesmo coautor dos atos de tortura contra a mãe de Joana.
Ao ter conhecimento dos atos praticados contra Leonor Cipriano -- cuja existência, já objeto de julgamento autónomo, o tribunal não pôs em causa -- através de uma conversa com a sua cliente, Aragão Correia ficou convencido da veracidade da versão ouvida, o que, no entender do tribunal, anulou a gravidade da sua publicitação.
Contudo, com base nos testemunhos que ouviu -- incluindo o de Leonor Cipriano -, o tribunal não deu como provado que Gonçalo Amaral tenha assistido aos atos de tortura ou sequer coordenasse a equipa que os praticou.
Por outro lado, alegou que Aragão Correia sabia que atribuir publicamente a alguém aqueles atos podia constituir matéria "atentatória da sua honra e dignidade", embora o tenha feito na convicção de que Leonor lhe tinha dito a verdade.
Em 2009, Gonçalo Amaral fora condenado a um ano e meio de prisão com pena suspensa por falsidade de depoimento no julgamento de inspetores e ex-agentes da PJ, acusados de tortura à mãe de Joana.
O ex-inspetor considerou que o relatório do ACED foi "lesivo da honra e consideração pessoal e profissional", pelo que decidiu apresentar queixa por difamação contra Aragão Correia e o presidente da associação.
O Ministério Público (MP) pedia a absolvição de ambos, alegando que deixou de fazer sentido falar em difamação, já que todas as provas apontavam para a existência de tortura, apesar de nunca se ter provado com exatidão a sua autoria.
Ouvida na qualidade de testemunha nas alegações finais do julgamento, Leonor descreveu que os inspetores lhe puseram um saco na cabeça, a pontapearam em todo o corpo e lhe bateram com uma lista telefónica e um objeto de cartão contundente.
Alegadamente, as agressões prosseguiram depois de a terem obrigado a ajoelhar-se em dois cinzeiros de vidro que, segundo ela, teriam sido transportados pelo próprio Gonçalo Amaral.
Leonor e o tio da menina desaparecida, João Cipriano, foram condenados em novembro de 2004 a 20 anos e quatro meses e a 19 anos e dois meses de prisão, respetivamente, por homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
Após recurso, a pena de Leonor Cipriano foi reduzida para 16 anos e oito meses.