Dezembro vai quase a meio e os cães estão impacientes. O dono e fiel tratador, Thomas Haverskog, também, mas para quem reside nos confins do Árctico gerir expectativas meteorológicas confunde-se cada vez mais com resignação.
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"Pouco posso fazer", diz Thomas: "Sem neve não posso atrelar os cães ao trenó e sem trenó não há negócio". Porém, nem sempre foi assim. "Não sou muito velho, mas lembro-me que há uns anos a neve chegava cedo e com abundância", recorda.
Este ano, a irrequieta matilha de huskies ainda vai ter de esperar um pouco mais para poder fazer deslizar nas imensas planícies e lagos gelados o trenó com o qual Thomas Haverskog abastece de provisões aldeias isoladas e transporta turistas em Abisko, uma pequena vila sueca localizada 200 quilómetros a norte do Círculo Polar Árctico.
Não longe dali fica Jukkasjärvi. Do leito gélido do rio Torne, nos arredores da cidade de Kiruna, são retiradas todos os anos as toneladas de gelo necessárias para a efémera construção do mundialmente famoso Hotel do Gelo. Os promotores do luxuoso empreendimento, onde dormir uma noite pode custar mais de 600 euros, recusam que as alterações climáticas estejam a ter efeitos negativos no negócio. "O Inverno de 2008 foi o melhor de toda a década", afirma Camilla Bondareva. A relações públicas do "Ice Hotel" é peremptória: "Na semana de abertura da última temporada tivemos temperaturas de 20 graus negativos, portanto, não posso dizer que estejamos a sentir os efeitos do aquecimento global". Este ano, a realidade é diferente. Para a abertura do Hotel do Gelo, com a tradicional festa no concorrido e exclusivo "bar do gelo", as temperaturas máximas dificilmente descerão abaixo de zero.
Não é de estranhar. O degelo no Árctico é acentuado e se os registos científicos apontam para um aquecimento global do planeta na ordem dos 0,4 graus, esse valor triplica quando falamos das zonas geladas do Pólo Norte. O impacto no ecossistema terá consequências imprevisíveis, mas prevê-se que a frequência das cheias possa afectar 25 por cento da população mundial.
Nada que, para já, pareça preocupar Stefan Magnusson. Para este agricultor do Sul da Gronelândia, "o aquecimento no Norte é sempre apreciado". Magnusson não ignora os riscos do calor, mas recusa ser catastrofista. "Nós tivemos um outro aquecimento aqui há mil anos e se estivermos a entrar num novo período de 500 anos devemos tirar partido disso e ficarmos felizes", afirma.Thomas Haverskog não partilha do mesmo optimismo. "Confesso que ainda não pensei muito nas alternativas, mas estou certo de que se o Inverno continuar a ser cada vez mais curto não sei o que fazer. E isso vai afectar tudo e todos aqui, toda a nossa economia".
Perguntas e respostas
O Árctico está mesmo a aquecer?
Parece já não haver dúvidas de que a região árctica está a aquecer ao ritmo de 0,7 graus centígrados por década. Alguns cientistas asseguram que o aumento da temperatura no Árctico é o dobro do registado noutras regiões, sendo mesmo três vezes mais veloz do que no conjunto do Planeta.
Quais são as consequências do aumento da temperatura no Árctico?
A principal consequência é a fusão acelerada dos gelos marinhos, dos glaciares, dos rios e lagos e dos campos de neve das montanhas. Alguns modelos climáticos projectam a possibilidade de o oceano Árctico deixar de ter gelo no Verão dentro de quatro décadas ou mesmo dentro de apenas dez anos. Mesmo no Inverno, as áreas de águas geladas - no oceano ou nas massas de água doce de rios e lagos - são cada vez menores e menos espessas e mais frágeis.
Quais as consequências do recuo das áreas de gelo?
As mais visíveis são a subida do nível do mar, com consequência devastadoras em todo o Planeta, inundando vastas áreas terrestres; a abertura permanente de uma passagem entre os oceanos Pacífico e Atlântico; e a alteração na paisagem e dos habitats nas plataformas continentais, com impactos nas condições ecológicas.
O que acontece no Árctico tem relação com alterações climáticas?
O aumento da temperatura global é responsável pelo degelo nomeadamente no Árctico. Esse efeito também constitui causa de alterações climáticas. Por exemplo, a diminuição das áreas geladas afectará o albedo: em vez de reflectirem a radiação solar, passarão a obsorvê-la, aumentando a temperatura. Com o aquecimento do "permafrost" (solo gelado), a matéria orgânica congelada nesta camada invisível decompor-se-á, libertando-se mais metano e dióxiodo de carbono (gases com efeito de estufa).