Chegaram atrasados à escola, fizeram desvios no caminho para o trabalho. O motivo: ver o eclipse solar, esta sexta-feira de manhã, junto da equipa do Observatório Astronómico, em frente à Faculdade de Ciências, na Cidade Universitária, em Lisboa. Afinal, com esta grandeza só haverá outro daqui a 11 anos.
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Em Lisboa, o ponto alto da observação do eclipse aconteceu às 8.52 horas e durou pouco mais do que um minuto. De repente, num momento mágico, as nuvens serviram de filtro e tornaram possível ver a olho nu a lua a cobrir o sol sem ter de recorrer a óculos, caixas escuras de fotografia, ou telescópio. No resto do tempo foi preciso utilizar instrumentos para observar o eclipse.
Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, dirigia as operações e espicaçava os mais adormecidos: "Vejam, aproveitem agora".
O espanto causou um silêncio de fundo, ao que se seguiram as reações de entusiasmo. "Ah, que espetáculo", "uau", saíram das bocas dos que contemplavam o eclipse avistado entre as oito e as 10 da manhã, em Portugal.
Passado o tempo exceção, as filas para ver o fenómeno através dos telescópios cresceram. E os comentários das crianças sobressaíam: "O Sol parece uma banana"; "o sol está ao contrário, parece a Lua".
Cerca de um milhar de pessoas foram passando pelo observatório a céu aberto. Muitos eram alunos universitários que ali interromperam o caminho para as aulas. Mas também vieram famílias inteiras. A presença mais nova, apenas 11 meses, veio ao colo da mãe. A presença mais velha, ou das mais velhas, tinha 70 anos. Vítor Ferreira, reformado da TAP, estava no seu canto a contemplar o céu recorrendo aos seus próprios binóculos, devidamente equipados com filtro. Sem este, a exposição ao Sol pode ferir a retina.
Ciência em direto e ao vivo
A mãe e o pai de Maggie, Rita Gamboa, professora do segundo ciclo, e Luís Franco, consultor de sistemas informáticos, trouxeram os três filhos. "Avisamos a professora", contou o pai, para justificar a presença das crianças de oito e cinco anos. "Têm a oportunidade de ver ciência em direto e perceber que é real. É uma oportunidade a não perder". Não se compara à aprendizagem no interior da sala de aula, disse. Aproveita para lamentar a falta de informação sobre o eclipse. "Na escola não foi valorizado. Os óculos não estavam disponíveis nas farmácias". Lembra que, em 1999, o Ministério da saúde colaborou na distribuição de óculos.
Inês, de 10 anos, estava agarrada ao pai, que se desdobrava em explicações. "É uma oportunidade única poder ver um fenómeno destes. Por isso, o atraso da escola não será problemático. Na escola dela até estimulam estas atividades", disse o pai, Gonçalo Castelo Branco, consultor. Na sua família, as expedições para ver fenómenos naturais são comuns. "Somos um pouco nerd, fazemos muitas coisas deste género. Expedições pela natureza, viajar para ver outras culturas". Procura imprimir um estilo de educação que privilegia a relação directa. "Prefiro que se vire para a ciência do que para a religião". Para o consultor, é muito importante que a filha "entenda o que a rodeia, para poder perceber o quanto somos pequeninos".
Rui Agostinho, diretor do Observatório, incutia os presentes a continuarem a experiência, dirigindo-se a Cascais, para ver a maré alta, ou então a apanhar o avião para o Pólo Norte, onde o eclipse seria total. Em Portugal, foi possível ver um eclipse parcial, recorrendo a óculos apropriados ou a telescópios.
Explicou que a lua na sua órbita em torno da Terra passa entre a Terra e o Sol, mas nem sempre nesse ponto. A raridade do eclipse parcial está na conjugação de fatores. Passou perto e no alinhamento do Sol. É parcial porque, ainda assim, sucede na penumbra, na parte menos escura do cone de sombra projetado pela Lua na superfície da Terra.
O professor de Física Fernando Parente viu um eclipse total em 1979 nos Estados Unidos, na costa Oeste. "Foi espetacular. Vimos ficar de noite e as estrelas aparecer à volta do Sol".
Pouco antes das 10 horas, o Sol foi recuperando a sua forma redonda, transformando-se de novo numa gema cintilante vista através da lente do telescópio. Foi aí que Rui Agostinho fez toda a gente rir: "O eclipse está em saldo e está quase a acabar. Agora só daqui a 11 anos".