Ao elegerem o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio para o topo da hierarquia da Igreja, os cardeais fizeram uma escolha histórica: será o primeiro Papa da América Latina, o continente mais católico do mundo que não se sentia reconhecido na sua justa medida.
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Na aparição na varanda das bençãos, o novo Papa, que escolheu o nome de Francisco - o nome de S. Francisco de Assis, conhecido pela sua simplicidade -, optou também pela simplicidade. Pediu às dezenas de milhares de fiéis reunidos na Praça de S. Pedro e aos milhões que o seguiam pelos ecrãs de televisão para "orarem por ele". Só depois deu a sua benção "urbi et orbi".
Concorrente de Joseph Ratzinger no conclave de 2005, este jesuíta de 76 anos, não figurava na "shortlist" dos apostadores devido à idade avançada. Tem uma imagem de moderado, reformador no plano social, pragmático e caloroso.
Enquanto que o italiano Angelo Scola era tido como favorito, o colégio de 115 eleitores, logo ao segundo dia de conclave, pronunciou-se para que não seja interrompida a sequência de papas não italianos, após 35 anos de pontificados polaco e depois alemão.
Esta é a segunda vez consecutiva que os cardeais escolhem um Papa de idade avançada. Joseph Ratzinger, a quem Francisco I rendeu homenagem, foi eleito com 78 anos.
Porém, esta eleição acontece num contexto totalmente novo: o da demissão há um mês, pela primeira vez em 700 anos, de um papa. Dito de outra forma, o precedente criado pela renúncia de Joseph Ratzinger, com 85 anos, criou um novo dado, já que um chefe da Igreja católica muito fatigado pode decidir demitir-se.
Para o vaticanista Bruno Bartoloni, citado pela Agência France Presse, o cardeal Bergoglio, que foi favorito face a Joseph Ratzinger no conclave de 2005, "é um homem concreto, pragmático, eficaz, que poderá fazer qualquer coisa de sólido, designadamente para reformar a Cúria romana".
"No plano social é provavelmente muito aberto, e sem dúvida conservador nas questões de moral", acrescenta Bertolini. Como todos os cardeais nomeados por João Paulo II (que é o seu caso) e por Bento XVI, ressaltam os vaticanistas.
"Os cardeais escolheram uma solução fácil, não se lançaram numa aventura", considera ainda Bruno Bertolini que sublinha que tal como Joseph Ratzinger em 2005, o cardeal Bergoglio é conhecido de todos no colégio sagrado.
O argentino toma as rédeas da Igreja num momento em que a instituição está numa tormenta: está dividida, debaixo da concorrência, designadamente na América Latina, dos grupos pentecostistas, e os escândalos sexuais, como a pedofilia dos padres, desacreditaram-na em alguns países.
A Igreja está também a enfrentar problemas em passar a sua mensagem no mundo moderno, e não terá sido por acaso que a "nova evangelização" foi citada pelo novo Papa na sua primeira declaração.
"A Igreja deve libertar-se de obstáculos, de coisas sujas, da má gestão, que prejudica o objetivo" que é o de fazer descobrir Deus, explica à France Presse o vaticanista do semanário italiano "L'Espresso", Sandro Magister.
A Cúria "confusa, desordenada, deve tornar-se mais leve" para trabalhar "exclusivamente ao serviço do Papa" em vez de "causar obstáculos à sua comunicação com os bispos", ainda segundo este vaticanista.
Para Andrea Tornielli, vaticanista do "La Stampa", a linguagem deve ser renovada, menos doutrinal: um papa deve "anunciar o Evangelho de maneira positiva, para que as pessoas se sintam amadas em vez de se sentirem julgadas".
Uma prioridade que chega das paróquias é também a procura de soluções práticas para que o Evangelho possa ser anunciado na ausência de padres e de reformas que permitam uma inversão na crise de vocações no Ocidente.
Outras reformas são pedidas, como é o caso do casamento dos padres, mas ainda não é certo que o novo Papa esteja pronto para dar este passo.
Se não avançarem estas reformas de longo prazo, a contestação, que é já intensa em países como a Áustria, arrisca estender-se rapidamente, designadamente na América Latina.