O Observatório Português dos Sistemas de Saúde considera que a crise e a austeridade dificultaram o acesso dos portugueses aos serviços de saúde e sublinha a preocupação com a contenção de gastos no setor.
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"A intensificação dos efeitos da crise e consequente pressão para a contenção nos gastos produz nos serviços de saúde um clima que pode levar esses mesmos serviços a não oferecerem aos doentes aquilo que melhor convém à sua condição de saúde", refere o Relatório de Primavera 2012, que vai ser hoje apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
O documento, intitulado "Crise &Saúde - Um país em sofrimento", refere um "racionamento implícito" na saúde, explicando que este "não decorre de instruções ou de decisões explícitas para limitar a prestação de cuidados de saúde necessários, mas resulta de comportamentos restritivos, como consequência de um clima de intensa contenção de gastos por parte de decisores pressionados para limitar despesas e avaliados em função disso".
Dizem ainda os autores que "não faltam relatos de que isto esteja de facto a acontecer" e que estes racionamentos "acabam por ter um impacto negativo na saúde dos cidadãos", dando como exemplo o caso da fisioterapia, especialidade em que "há doentes não isentos que, por carência económica, abandonam os tratamentos aos primeiros sinais de melhoria".
"Há igualmente relatos de que existem mudanças de comportamento na relação habitual entre resultados de análises clínicas e sua referência nos tratamentos adotados: resultados analíticos que estavam habitualmente associados a uma resposta terapêutica imediata tendem a ser postergados para uma fase mais tardia", refere o relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), que resulta de uma parceria entre a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC) e a Universidade de Évora.
"Não é função do OPSS investigar mais profundamente estes indícios, e como é habitual neste tipo de situações, não existem estudos objetivos que os confirmem. Contudo, são indícios de situações que podem ter sérias repercussões na saúde das pessoas, pelo que não podem deixar de merecer uma atenção muito especial", sublinha.
Para melhor compreender os efeitos da crise e do Memorando de Entendimento assinado com a 'troika' no aceso à saúde, o OPSS analisou a lista de espera cirúrgica, o acesso dos idosos do Alentejo aos cuidados de saúde, os pagamentos no ato da prestação, a acessibilidade e produção de serviços de saúde, entre outras variáveis.
Na análise feita, os autores do documento dão conta de "sinais que indiciam uma alteração na tendência de redução dos tempos de espera cirúrgicos", apontando uma inversão nesta tendência nalgumas prioridades.
Foi também analisada a "média do tempo de espera dos operados com neoplasias malignas" e também neste caso se verificaram algumas inversões nas tendências nalgumas prioridades.
O relatório faz ainda referência a uma diminuição do número de utilizadores e das taxas de utilização das consultas médicas em todas as administrações regionais de saúde e a "alguns sinais que indiciam redução do número de cirurgias, do número de sessões em hospital de dia e de urgências em diversos hospitais".
A análise relativa ao acesso aos cuidados de saúde teve ainda em consideração outras variáveis, algumas das quais referidas neste relatório, como é o caso dos resultados do inquérito que foi aplicado a utentes de um grupo de farmácias de Lisboa e que indicou que cerca de 20% não adquiriu a totalidade dos medicamentos prescritos, sendo que entre estes predominam as mulheres, os desempregados e os idosos.
"Uma outra variável sobre a qual temos poucos dados, mas que indicia um comportamento preocupante tem a ver com o transporte das pessoas até aos locais de prestação de cuidados. O custo com transporte de doentes, suportado pelo SNS, teve reduções que chegaram a atingir 65% (ARS Alentejo)", indica o documento.
"A isto acresce uma rede de transportes públicos mais cara e muito deficitária, principalmente num interior desertificado e envelhecido, como é o caso do Alentejo, mas também da Beira Interior e Nordeste", acrescenta.
