A partir do dia 2 de Janeiro os médicos não farão uma única hora extraordinária, nem sequer as 12 a que actualmente são obrigados, em protesto contra a realização de horas extraordinárias "sem limite" e a redução dos valores de pagamento, como previsto no Orçamento do Estado para 2012.
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O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) estiveram reunidos, na quarta-feira, para analisar "as gravosas implicações para o Serviço Nacional de Saúde e para os médicos das medidas decorrentes da recente aprovação do Orçamento de Estado (OE) para 2012".
"Unilateralmente, o Governo decidiu rasgar o que havia sido acordado em sede de Acordos Colectivos de Trabalho (ACT) negociados em 2009, nomeadamente no que diz respeito ao valor por que devem ser pagas as horas extraordinárias", afirmam os sindicatos, num comunicado conjunto publicado nos respectivos sites oficiais.
Em causa estão novas formas de pagamento das horas extraordinárias na Função Pública, não contemplando qualquer excepção para os médicos. Em virtude desta alteração, o SIM e a FNAM decidiram tomar uma posição conjunta e vão fazer greve às horas extraordinárias.
"Nem mais uma hora extra a partir de 2 de Janeiro"
Segundo Carlos Arroz, presidente do SIM, o pagamento melhorado das horas extraordinárias realizadas pelos médicos, e até agora em vigor, foi definido em 1979 (anterior à criação do Serviço Nacional de Saúde) e contemplava um conjunto de obrigações para estes profissionais.
"Há um pagamento diferenciado porque o que se exige a estes profissionais é maior do que se exige a outros profissionais da Função Pública. Os médicos são obrigados a fazer horas extraordinárias - o que não acontece com outro trabalhador - e a fazê-las em 12 horas consecutivas na urgência", lembrou.
Esta lei, disse, "tinha coisas boas, como a remuneração melhorada, e outras más, como a obrigação de fazer horas extraordinárias, realizá-las em 12 horas consecutivas na urgência e ainda a passagem para o dobro do limite anual das horas extraordinárias, de 100 para 200 horas".
"Ao desacoplar o pagamento das horas extraordinárias, também desacopla as obrigações dos médicos", sublinhou. Por esta razão, e a partir do dia 2 de Janeiro - e porque o dia 1 é num domingo e a semana de trabalho dos funcionários públicos decorre entre segunda-feira e domingo - os médicos não irão fazer nem uma só hora extraordinária.
O sindicalista responsabiliza o ministro da Saúde pelos eventuais impactos de uma medida destas no sector da saúde, onde vários serviços são assegurados com horas extraordinárias, como as urgências. "Quem tem estado a ameaçar os portugueses que há médicos a mais é o ministro da Saúde, ele é que tem dito que não precisa dos médicos", afirmou.
Carlos Arroz garante que esta questão é do conhecimento de Paulo Macedo desde o passado dia 28 de Outubro e assegura que estas preocupações dos médicos foram dadas a conhecer a "todos os partidos políticos". "É a chamada morte anunciada", disse.
"Horas extra sem limite é ridículo"
Em declarações à agência Lusa, Pilar Vicente, da FNAM, adiantou que os médicos estão contra a realização de horas extraordinárias sem limite e a redução do valor pago por esse trabalho.
"Havia um número limite de horas extraordinárias que é cortado e passa a haver sem limites, o que é uma coisa perfeitamente ridícula, ao mesmo tempo que cortam a forma de pagamento das horas extraordinárias", disse Pilar Vicente, acrescentando que os profissionais se sentem "indignados" com esta situação.
"Nós já somos obrigados a fazer 12 horas extraordinárias por semana, segundo os acordos colectivos de trabalho, e agora querem pôr sem limites", frisou a médica, sublinhando que "é evidente" que os profissionais não vão fazer isso.
Os sindicatos médicos lembram no comunicado que "os hospitais não têm qualquer hipótese de funcionar sem que os médicos prestem anualmente um número muito significativo de horas extraordinárias, que vai muito para além do que está estatuído para a generalidade dos trabalhadores portugueses".
Neste contexto, os sindicatos representativos dos médicos salientam ainda que, "numa última tentativa para apelar à sensatez", decidiram solicitar audiências urgentes ao presidente da República, Cavaco Silva, e à Comissão Parlamentar da Saúde, onde irão expor "o momento grave que se avizinha para o Serviço Nacional de Saúde".
Contactada pela Lusa, uma fonte do Ministério da Saúde recusou-se a comentar a ameaça dos médicos de deixarem de fazer horas extraordinárias, escusando-se igualmente a comentar cenários sobre as consequências desta medida. Sobre a medida aprovada no OE, a mesma fonte esclareceu que se tratam de "medidas transversais" e não tomadas apenas pelo Ministério da Saúde.