<p>País agrícola, Portugal não deixará de ressentir-se das alterações climáticas, com menor produtividade nalgumas culturas já estudadas. Mas um dos seus produtos mais emblemáticos - o vinho - poderá ser afectado?</p>
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Professor do Departamento de Agronomia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douto (UTAD), onde investiga os efeitos das alterações climáticas na agricultura, Aureliano Malheiro ressalva que ainda há "muitas incertezas" relativamente ao seu impacto no sector, designadamente devido à escassez de estudos nesta área em Portugal.
Para contribuir para o preenchimento dessa lacuna, aquele investigador e João Santos, na UTAD, e Joaquim Pinto, na Universidade de Colónia, estão a desenvolver um estudo que, "numa primeira fase, aponta para este século para um aumento de produtividade da videira na Região Demarcada do Douro, em termos globais".
No entanto, o investigador considera "importante salientar que essa projecção é exclusivamente baseada em relações estatísticas entre variáveis atmosféricas e a produtividade". Mas "outros factores certamente irão desempenhar um papel importante na produtividade futura, como a previsível redução na humidade do solo (devido à diminuição da precipitação) e aumento do número e gravidade das secas e ondas de calor".
Por outro lado, "o projectado aumento da temperatura do ar pode originar um encurtamento temporal dos diferentes estados fenológicos, desde o abrolhamento (é considerado que a videira inicia o crescimento a partir de uma temperatura média diária de 10 graus centígrados, zero vegetativo) até à maturação". Assim, a vindima ocorrerá mais precocemente e num período mais quente do ano (Agosto, no Douro), prevê.
Quanto aos efeitos localizados, o estudo antecipa que em algumas regiões do Douro (Baixo Corgo) poderá aumentar a qualidade do vinho. Mas, em áreas mais quentes, como o Douro Superior ou o Alentejo as alterações poderão originar "vinhos desequilibrados, com características indesejáveis (por exemplo, sabores herbáceos, teor alcoólico excessivamente elevado)", nota.
Se forem atingidos os cenários mais extremos, "é possível que algumas áreas se tornem praticamente inviáveis numa viticultura actual", avisa, indicando como zonas "emblemáticas" o Douro e o Alentejo, dado o clima mais quente e seco, que exigem medidas de adaptação profundas, como implementação da vinha a maiores altitudes e com castas e porta-enxertos mais adaptados à secura". Para o investigador, "a rega certamente terá um papel importante em alguns casos, mas não será uma panaceia, dada a dificuldade de acesso numa região montanhosa como o Douro e a crescente demanda de água".