
A liberdade que saiu à rua com os "cravos de Abril", em 1974, representou para as mulheres a liberdade sexual, que na intimidade do lar se traduziu na vivência da sexualidade com prazer, e a dois.
Hoje, é importante para os homens "saberem e sentirem que conseguem dar prazer às suas parceiras" e que as mulheres "têm prazer", disse à agência Lusa a socióloga Verónica Policarpo, da Universidade Católica.
A doutrina repressiva do Estado Novo, que seguia os preceitos da Igreja Católica, queria as mulheres virgens até ao casamento e só no matrimónio se lhes permitia terem relações sexuais, com o propósito da procriação.
Viver a sexualidade com prazer, com sensualidade e erotismo era censurável nas mulheres, tolerando-se nos homens, com prostitutas, como experiência pré-nupcial.
A Constituição de 1933 é clara ao reservar à mulher o papel de "assegurar o futuro da raça no lar".
Apesar de "encerrar" a sexualidade no matrimónio, católico, Portugal era, nos anos 1950, o país europeu com mais nascimentos considerados "ilegítimos", fruto de relações extraconjugais, de acordo com os indicadores do Anuário Demográfico das Nações Unidas.
Nas décadas seguintes, de 60 e 70, emergem vozes contra a moral sexual reinante, que o regime ditatorial se apressa a calar: em 1965, a obra "Antologia de Poesia Erótica e Satírica", organizada por Natália Correia, é proibida e o mesmo acontece, em 1972, com "Novas Cartas Portuguesas", de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, sob a acusação de veicularem conteúdo pornográfico.
Com o 25 de Abril de 1974 e com o fim dos tabus, as mulheres conquistam o "direito ao prazer, a viver a sua sexualidade pelas experiências, mas com sentido de compromisso", disse à Lusa Verónica Policarpo, que estudou "a construção social da experiência sexual" para a sua tese de doutoramento.
Segundo a docente, Portugal encaixa-se na tendência do mundo ocidental de "desvinculação da sexualidade ao casamento", valorizando o afeto. O casamento, católico ou civil, deixou de ser a única entrada aceitável para a experiência sexual, que pode ocorrer antes, no namoro, e nem sempre é para toda a vida.
Muito embora a "reciprocidade do prazer" conseguida, subsistem diferenças de género na vivência da sexualidade.
"Nos discursos dos mais jovens continua a persistir a desvalorização de uma rapariga que tenha tido muitos parceiros sexuais", afirmou Verónica Policarpo.
Contrariamente, acrescentou, é "muito mais desculpabilizante" que um homem tenha tido várias parceiras sexuais, porque, para ele, começar a vida sexual muito tarde ou ter tido apenas uma parceira é estigmatizante.
O fim do "espartilho" sexual nas mulheres significou também que elas puderam controlar livremente o seu corpo e programar a reprodução, agora vista não como o fim último de uma relação sexual e afetiva.
O uso como contracetivo da pílula - vendida em Portugal a partir de 1962 como medicamento para regular os ciclos menstruais - generalizou-se após o 25 de Abril, tal como o acesso a consultas gratuitas de planeamento familiar nos centros de saúde, um processo iniciado em 1976, por ação do então secretário de Estado da Saúde, Albino Aroso, médico obstetra falecido em dezembro de 2013.
Apesar das rápidas conquistas, as mulheres tiveram, no entanto, de aguardar 33 anos por uma outra, a da despenalização do aborto, em 2007, pela qual tanto lutaram.
