O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, considerou, esta quarta-feira, "positivas" as reformas judiciais introduzidas pelo Governo, mas assinalou que tem "duas reservas" quanto ao mapa judiciário e ao processo civil.
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No discurso de abertura do Ano Judicial , no STJ em Lisboa, o juiz presidente acentuou que "é um erro estratégico alargar o âmbito dos recursos" para o tribunal superior, porque, frisou, "corresponde à concessão de um novo tempo dilatório às partes".
Noronha do Nascimento referiu que o sistema atual de recurso, com admissão da diligência "decidida pelo presidente do Supremo a pedido das partes, do relator ou do Ministério Público é, já de si, tão abrangente que chega e basta".
O presidente do STJ observou também que "o novo modelo de gestão das novas comarcas", que altera a figura do "líder de comarca", constitui "uma mudança de paradigma, trocando o certo pelo incerto, instalando um sistema híbrido que não se compagina com uma liderança clara".
"Este sistema funcionou bastante bem nas três comarcas experimentais e o corolário lógico era o seu alargamento ao conjunto do território", sublinhou.
Noronha Nascimento, no seu último discurso como presidente do STJ, apontou três deficiências estruturais nos tribunais portugueses, referindo que, "se não foram superadas, não permitem a sua futura evolução".
A primeira refere-se "à urgente necessidade de fusão dos tribunais comuns e administrativos", à semelhança do realizado em Espanha, não só para "uma melhor administração dos tribunais e de melhor aproveitamento de um quadro único de juízes", como para "garantir a uniformidade das sentenças para casos iguais, ou seja, de garantir a igualdade dos cidadãos".
Considera o juiz conselheiro que o alargamento da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais Superiores "vai levar a decisões divergentes dos tribunais comuns e administrativos, fragmentando direitos de cidadania".
"Com isto, a orgânica administrativa assume o colorido de um foro pessoal do Estado e Administração à boa maneira da antiga tradição napoleónica", afirmou.
Outra deficiência mencionada por Noronha Nascimento foi a "urgente necessidade de limpar os tribunais do lixo processual que nunca lá deveria ter entrado", notando que "os tribunais do litoral do médio e pequeno cível e crime estão assoberbados e com pendências excessivas".
"A crise atual com a consequente recessão do consumo irá restringir a procura judiciária, que, obviamente, crescerá noutros setores", vincou Noronha Nascimento.
O presidente do STJ aludiu também à ação executiva, cujo modelo "empenhou", com o agente de execução a exercer "de forma privada uma função pública do Estado que mais não é senão o exercício da coerção estatal".
Reportando a estatísticas oficiais, Noronha Nascimento referiu que as ações executivas "aumentaram em 232.796", enquanto as restantes ações (cíveis, criminais, comerciais, laborais e de família e menores) "diminuíram em 151.742".
O magistrado do STJ afirmou ainda que "o maior cabo das tormentas que os tribunais (...) irão ter é o da defesa dos direitos fundamentais do Homem e do Cidadão consagrados na Constituição e nas leis quadro estruturantes do nosso Estado e da nossa sociedade civil".