Nuno sentiu o autocarro a guinar e ainda avisou a mulher: "Cuidado, vamos bater!". Segundos depois, era ela, Dora, quem o puxava dos destroços, o corpo e a consciência dominados pelas dores de uma vértebra partida. Ficaram ambos feridos no acidente.
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Recuperam agora, os dois juntos, num quarto do Hospital de Província de Tétuan, em Marrocos, à espera de melhoras que lhes permitam o regresso a Aveiro, onde vivem com a filha de 3 anos. "Eu e o meu marido assistimos e sentimos tudo", afirma ao JN Dora Martins, 37 anos, professora do Instituto Politécnico do Porto.
A viagem nem lhes estava destinada. Foi-lhes oferecida por um irmão de Nuno, que a ganhara num concurso. "O meu irmão não podia ir e perguntou se queríamos ir nós", recorda Nuno Lopes, de 39 anos, engenheiro electrotécnico.
Na manhã de quarta-feira, o autocarro saiu de Ceuta, com mais quatro, para uma viagem que se revelaria fatídica. Nuno Lopes recorda que chovia, quando passaram a fronteira de Espanha para Marrocos, mas o veículo "nem ia depressa". O casal ocupava um banco no fundo do autocarro e, perto, "viajava aquela menina, a Tânia, com os avós e uma prima", anota Dora, recordando que só a menina se salvou.
O guinar repentino do veículo roubou-os ao passeio e, segundos depois, entrou em despiste. "A frente caiu na água que estava no separador central", lembra-se Dora, que relata a confusão que se seguiu ao choque. Conseguiu sair pelos seus meios, mas o marido quase não se mexia. "Puxei-o; estava cheio de dores", diz, olhando para Nuno, na cama ao lado. Tem uma perfuração no pulmão, mas o marido, com uma vértebra partida, deverá passar por uma recuperação bem mais lenta.
"Em Ceuta, no hospital, há um caso semelhante. Maria Alice Rosa, de 57 anos, foi menos atingida do que o marido, Fernando Duarte, de 58. Mas só regressa a Portugal quando o marido "já estiver melhor. Só assim".
Viveram também algo que, dizem, "nunca mais esqueceremos". Após o acidente, um autocarro levou parte dos feridos para Ceuta, em Espanha, mas as autoridades fronteiriças marroquinas retiveram o transporte das vítimas durante cerca de hora e meia, alegando que "não tinham todos os documentos". Foi preciso o embaixador português em Marrocos intervir para desbloquear a "burocracia".
Sete feridos portugueses mantêm-se internados em Marrocos, no Hospital de Província de Tétuan, onde foram concentrados pelas autoridades marroquinas.
Kennab Hassan, director de saúde da Província de Tétuan, justificou ao JN a medida de concentração com o argumento de que o hospital local "tem mais meios de diagnóstico e tratamento". O clínico previa ao fim da tarde de ontem que os feridos precisarão de "mais dois dias ou três para recuperação", de forma a que os ferimentos já permitam o transporte para Portugal. A forma como será feito vai ser discutida entre as autoridades portuguesas e marroquinas.