<p>Andreia tem olhos azuis, talvez verdes, claros como o cabelo, tem 26 anos e dez, sim dez, de voluntariado activo, contínuo, convicto. Quando chega para partilhar o seu álbum de missões traz já com ela mais de dez horas de trabalho, cansaço invisível, não pára de sorrir, feliz como o apelido. Andreia Felizes é médica. Cumpre o primeiro ano de internato no hospital Santos Silva, em Gaia, preâmbulo de um trilho que deverá culminar numa especialização em cirurgia pediátrica. Lá para 2016.</p>
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A profissão foi-lhe ditada pelo voluntariado. "A entrada na Cruz Vermelha, aos 16 anos, influenciou todas as decisões que tomei na vida. Foi lá que aprendi a despender o meu tempo com os outros e a ficar feliz com isso". Mas "o voluntariado, como objectivo de vida, é uma excentricidade", defende, arriscando subverter o conceito. Ou talvez não. "Não é a custo zero que se vai lá para fora durante vários meses." No caso dela, a ideia de custo zero não é apenas subjectiva. Em 2006, quando decidiu passar o mês de férias nos Camarões, Norte de África, integrada no Kumba Project, programa destinado a prestar cuidados médicos à população, suportou todas as despesas, dois mil euros. Não é fácil explicar.
"Lá em casa houve um conflito. A mãe apoiou, o pai achou que não fazia sentido pagar para ajudar." Tinha 22 anos, três de curso, era a coordenadora nacional do projecto. Queria mesmo muito ir. E foi. "Ia com muitas expectativas, estava a realizar um sonho, sentia-me a Sininho". A Sininho é uma fada que gostava muito que todas as pessoas acreditassem em fadas. Andreia gostava muito que todos acreditassem nela, na sua boa vontade. Também não foi fácil. "Um mês é quase nada. Há muita insegurança, muito racismo em relação aos brancos. Sente-se-lhes a raiva por viverem mal". A primeira semana foi a mais difícil, depois foi somando pontos com consultas e medicamentos. "Eles não falavam inglês, eu não falava o dialecto deles. Foi aí que aprendi uma das coisas mais bonitas da vida: que a linguagem humana é muito mais do que palavras."
Em 2008, repetiu a experiência, mas a dobrar: dois meses em S. Tomé, levada pela AMI. Voltou com a mesma sensação. "Dois meses é muito pouco. Na próxima missão, não fico menos de seis meses", promete. O destino já está escolhido: Guiné. "Porque precisa muito de ajuda e porque tudo o que ouço de lá comove-me". Vai quando terminar o internato "e recuperar a autonomia". Entretanto, continua a ser voluntária por cá, quase todos os dias, na rua, onde calha, quando precisam dela na Cruz Vermelha. E férias? "Vou sempre uma semana para o Algarve, mas vivo bem sem isso. Vivo mal é sem fazer voluntariado, isso é não faria sentido."
