Edwin Hubble é conhecido como o protagonista de uma das maiores descobertas científicas do século XX, sobre a expansão do Universo, até agora envolta em polémica já que um cientista belga, Georges Lamaitre, publicou a mesma teoria dois anos antes. A censura ao artigo, aquando da tradução, está agora esclarecida com uma investigação que pretendia descortinar o mistério.
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Uma das maiores descobertas científicas do século XX, há mais de 80 anos, foi a da expansão do universo, ou seja, a teoria de que as galáxias se estão afastar umas das outras. A teoria desconcertou o próprio Einstein e foi o primeiro pilar do que seria a teoria do Big Bang.
A descoberta foi atribuída ao americano Edwin Hubble, que não foi galardoado com um Prémio Nobel, mas foi homenageado ao dar o nome ao primeiro telescópio espacial, lançado em 1990.
Na efervescência científica dos anos 20 do Século XX, Hubble determinou uma taxa de expansão do universo. Para tal baseou-se nas observações que fez do céu, bem como nas do colega Vesto Slipher, que mediu pela primeira vez a velocidade radial, a velocidade com que um objecto celeste se aproxima ou afasta do observador, enquanto que a velocidade angular desse afastamento é medida em graus por um terceiro observador, posicionado transversalmente.
Hubble mediu a distância das galáxias, em cooperação com Milton Humason, e encontrou algo revolucionário: quanto maior a distância de uma galáxia, maior é a velocidade aparente com que se afasta do observador, estabelecendo assim a "Lei de Hubble".
O americano publicou a descoberta em 1929, no artigo "Proceedings of the National Academy of Sciences", que causou enorme impacto. Publicação muito criticada por não dar o devido reconhecimento ao trabalho de Slipher.
Depois da descoberta de Hubble, Albert Einstein disse ter cometido o seu "pior erro" com a ideia generalizada de que o universo era estático. A reviravolta levou Einstein a tentar explicar a misteriosa expansão acelerada do Cosmos, tendo arrecadado o Prémio Nobel da Física.
A censura na tradução do artigo de Lamaitre
A história desta descoberta complica-se quando se sabe que um cientista belga, Georges Lamaitre, tinha feito a mesma descoberta dois anos antes de Hubble. No entanto, na tradução de francês para inglês do artigo, que expunha a descoberta, foram suprimidas as partes em que o belga falava sobre o crescimento das galáxias. A dúvida quanto ao responsável pela censura levou o astrónomo Mario Livio a uma investigação para descobrir porquê os pontos cruciais da descoberta de Lamaitre foram suprimidos.
"O mistério sobre a autoria desta descoberta intrigou-me e decidi investigar. Como resultado, descobri uma carta de Lamaitre que encerra a discussão", escreveu Livio no artigo "Lost in translation: Mystery of the missing text solved" último número da revista "Nature" onde detalha o conteúdo da missiva.
Em 1927, Lamaitre chegou à mesma conclusão a que Hubble chegaria dois anos depois sobre a expansão do universo, mas a descoberta publicada em francês, na revista "Annales de la Société Scientifique de Bruxelles", passou despercebida.
Em 1931, o artigo do belga foi traduzido para inglês e publicado na revista britânica "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society", no entanto foram omitidos parágrafos chave para a descoberta. Posteriormente, quando o artigo original de Lamaitre foi comparado com a tradução inglesa surgiram as dúvidas.
Porquê foi o artigo original censurado e quem foi o responsável por tal acto?
"Lamaitre foi eclipsado enquanto vários textos proclamaram Hubble como o descobridor da expansão do universo" escreveu David L. Block sobre o assunto. "O artigo francês foi meticulosamente censurado quando publicado em inglês", disse ainda Block.
Mario Livio, empenhado em desvendar o mistério, recorreu aos artigos da "Royal Astronomical Society" e deparou-se com a correspondência de Lamaitre em 1931, sobre a tradução do artigo, concluindo que foi o próprio Lamaitre o responsável pela edição que o artigo sofreu na tradução para inglês.
"Envio-lhe a tradução do artigo (de 1927). Não me parece aconselhável republicar a discussão sobre as velocidades radiais (e a recessão das galáxias) nem tampouco a anotação geométrica que carece claramente de interesse agora", escreveu Lamaitre.
Segundo o astrónomo, esta carta "termina claramente com as especulações sobre quem traduziu e eliminou os parágrafos chave". O que teria levado Lamaitre à renúncia da glória não é possível saber. Livio escreveu que Lamaitre "não estava interessado no reconhecimento do seu trabalho. Estava mais preocupado por parecer antiquado, pois os dados em que o seu estudo se baseava melhoraram desde 1927".
Lamaitre dificilmente conseguirá a fama de Hubble agora que o americano está livre de suspeitas neste caso de censura. No entanto há vozes que clamam que um telescópio espacial deveria ser baptizado com o nome de Lamaitre.