
O padre Henrique Maçarico atrai milhares de pessoas aos Covões, concelho de Cantanhede. Água benzida para curar males do corpo e da alma, rezas para afastar espíritos demoníacos e doenças, quase transformaram a terra num santuário.
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Pelo menos uma vez por mês, a peregrinação à Igreja Matriz da aldeia é já obrigatória para centenas de pessoas que chegam de todo o país. Na cerimónia de ontem, as preces foram no sentido de pedir para afastar a gripe A dele próprio, da região e das pessoas presentes e seus familiares. Solicitou aos presentes para que se resignassem e pedissem a cura das suas doenças, uma vez que elas poderiam ter sido contraídas por terem cometido pecado. Num ritual meticuloso, uma vez por mês, as tardes de domingo são bem diferentes do dia-a-dia da pacata aldeia gandareza de Covões. A partir das 13 horas começam a chegar carros que ocupam todos os espaços disponíveis das ruas. Depois, é ver as pessoas a sair com garrafas e garrafões de água e muitos com bancos e cadeiras dobráveis.
Em silêncio, mulheres e homens vão entrando na igreja e escolhendo um lugar, de preferência perto do altar. Com o passar das horas, o espaço católico que acolhe como padroeiro Santo António de Pádua, vai enchendo. Pelas 15 horas já não há lugares disponíveis entre bancos e degraus que acolhem mais de 450 pessoas. Resta aos que chegam mais em cima da hora sentarem-se um pouco por todo o lado nos assentos que trazem de casa. Há alturas em que as pessoas chegam a ficar do lado de fora da Igreja junto da porta principal, entretanto aberta, pouco antes da cerimónia.
Até que se aproxime as 16.30, hora em que o pároco entra por uma porta lateral, o silêncio impõem-se, não há nada que desvie o olhar dos fiéis, de todas as idades e que aparentam serem oriundos de diferentes classes sociais.
As pessoas vão colocando os garrafões de água à sua frente, no chão, e agarram-se ao terço, muitas delas mantendo-se sempre de joelhos. À hora prevista, a cerimónia começa e desde logo muitos dos presentes começam a chorar, a fechar os olhos e a abraçar os filhos mais pequenos como que entrando num estado hipnótico.
Calmo, o padre Henrique Maçarico, há cerca de quatro anos ao serviço das paróquias dos Covões, Pocariça e Bolho, começa com algumas orações de terço nas mãos, apresentando-se como um pobre servo de Jesus. Enfatiza, por mais de hora e meia, a necessidade que as pessoas devem sentir para, em caridade, rezar por ele, pedirem perdão ao seu sacerdote, dado que se o ofenderem, ofendem Jesus.
Entre os cinco Mistérios que constituem o Terço, nas Jaculatórias o pároco não reza as tradicionais orações, "oferece" o Pai-nosso e as Ave-marias seguintes a diferentes Mistérios criados por si. Pede para que sejam afastados os demónios e doenças "manifestando o teu poder de cura e que deles nos libertes". Pede às pessoas que agradeçam o facto da Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que diz ter sido furtada, com outras peças de arte sacra, em Dezembro de 2008, mas que "milagrosamente foi recuperada porque não queria deixar os seus fiéis dos Covões". Enfatiza esse agradecimento dedicando mesmo uma das Jaculatórias a esse "milagre". "Nossa Senhora do Rosário de Fátima santificai, convertei e abençoai a nossa paróquia".
Alguns dos presentes intensificam o choro e há quem chegue a gritar e desmaiar. Mantendo-se calmo, Henrique Maçarico pede para que "não tenham perturbações, peçam pelo vosso pároco e estejam em paz". Quando os casos são mais intensos, o padre sai do altar e vai junto dos fiéis em sofrimento colocando as mãos em cima deles para que se convertam definitivamente ao reino de Jesus.
No final do terço, procede então à bênção dos objectos que as pessoas levam, livros de orações, terços, santos e água, muita água. Não deixa que os fiéis saiam sem que realce que "Jesus reinará, não sabemos quando, mas reinará".
No final da cerimónia, pela porta lateral da igreja, apressam-se a sair dezenas de pessoas. Muitas delas atravessam, num frenesim silencioso, para o outro lado da rua, onde outra porta está aberta. É a casa paroquial onde uma fila de pessoas se vai formando para que cada um seja recebido em particular ou em família pelo sacerdote. Pelos indícios, muitos farão do local uma espécie de confessionário, dado que, quando saem, reentram na igreja como que para cumprir uma penitência.
Sem muita abertura para falar, as pessoas, de aspecto sofredor, lágrimas nos olhos inchados, lá vão dizendo que ali vão para pedir concelhos para os "atropelos da alma" que apenas Jesus, Senhor Salvador, "através do santo padre Henrique", encontra resolução para os seus problemas. É preciso fazer um percurso na busca da fé e de um encontro espiritual de arrependimento e interiorização das limitações.
Há quem chegue de Penela, onde o pároco esteve anteriormente, e já seria por lá visto como um "milagreiro". Henrique Maçarico sai à rua e vem benzer um carro. Uma a uma, lá vai atendendo as pessoas. O corrupio é quase diário, sobretudo depois das missas das segundas-feiras, às 9h00, e das quartas-feiras à noite. Sempre vestido a rigor, o padre anda pela aldeia onde conhece a maioria das pessoas pelo nome e lhe agradece pelo facto de nos dias do benzer da água não frequentarem muito a igreja, dando assim espaço para que quem vem de fora seja bem acolhido.
Henrique Maçarico disse ao JN que antes de falar aos jornalistas queria aconselhar-se e obter autorização do Bispo da Diocese de Coimbra. Autorização essa que diz não ter tido, por se temer o aumento do número de fiéis com a divulgação dos "milagres".
