A redução dos delitos quotidianos pode depender do aproveitamento do poder da realidade virtual, do design consciente e do espírito comunitário.
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Imagine um jovem delinquente com auscultadores, imerso numa sala virtual, ficando frente a frente com um avatar do seu "futuro eu".
A pessoa conta ao avatar sobre o seu estilo de vida, abuso de substâncias, dívidas ou tempo de convivência com amigos delinquentes. Em seguida, a pessoa viaja para o futuro, através de uma representação em 3D, para se tornar no seu futuro eu e aconselhar o mais jovem.
Enfrentar o futuro
Alguns cientistas afirmam que permitir que as pessoas conversem com o seu futuro eu e peçam conselhos pode ajudá-las a fazer melhores escolhas atualmente.
"Se as pessoas se preocuparem mais com o seu futuro, pensamos que serão menos suscetíveis de se envolverem em comportamentos delinquentes no presente", afirmou Jean-Louis van Gelder, professor de criminologia na Universidade de Leiden, nos Países Baixos. É também diretor do Instituto Max Planck para o Estudo do Crime, Segurança e Direito, na Alemanha.
Van Gelder e outros investigadores na UE estão a inspirar-se no mundo do jogo para ajudar a demonstrar aos jovens delinquentes as consequências das suas escolhas a longo prazo. Embora a tecnologia ainda esteja a ser testada, os primeiros sinais são de que estas representações virtuais em 3D podem ajudar a mudar o comportamento para melhor.
Trata-se de uma das muitas técnicas de prevenção da criminalidade que estão a ser desenvolvidas em toda a Europa.
As pessoas que vivem num modo de sobrevivência diariamente são mais propensas a cometer crimes ou a consumir drogas e álcool. Isto acontece porque estes tipos de comportamento trazem benefícios imediatos, embora pequenos. As graves consequências - incluindo a prisão - encontram-se frequentemente num futuro distante.
De acordo com Van Gelder, estas mentalidades de curto prazo podem resultar de uma atitude parental severa ou imprevisível e da exposição a amigos delinquentes ou a maus exemplos de comportamento.
Acredita-se frequentemente que a falta de visão e a impulsividade se tornam relativamente fixas em crianças por volta dos 10 anos e é algo difícil de alterar. Contudo, os cientistas começam a descobrir que é algo que pode, efetivamente, ser trabalhado, abrindo o potencial para ajudar as pessoas a deixar de cometer crimes. Aconselhamento a si próprio
Van Gelder testou a tecnologia de realidade virtual com 24 jovens delinquentes, como parte de um projeto de investigação financiado pela UE denominado CRIMETIME, que decorre até março de 2024.
"O interessante é que as pessoas dão muito bons conselhos a si próprias, no geral", afirmou Van Gelder, que coordena o projeto de seis anos apoiado pelo Conselho Europeu de Investigação. "As pessoas tendem a dizer a si mesmas para deixarem de cometer crimes ou para serem mais disciplinadas ou procurarem um emprego".
Os participantes foram questionados acerca do seu comportamento e atitudes na semana anterior e posterior à sessão. A maioria relatou comportamentos menos prejudiciais ou criminosos e uma maior consciência do seu eu futuro após a sessão.
De acordo com Van Gelder, é extremamente difícil mudar o comportamento das pessoas.
"As mudanças não foram muito significativas, mas observámos uma redução, o que nos diz que estamos no caminho certo", afirmou. "Portanto, a nossa esperança é que receber conselhos de si próprios seja mais convincente do que receber conselhos de outras pessoas".
O próximo passo é desenvolver uma aplicação para telemóvel que lhes proporcione uma experiência semelhante e que possa ser utilizada todos os dias durante várias semanas.
"Quanto mais praticam o exercício, mais vívido se torna o seu eu futuro", afirmou Van Gelder.
E quanto mais ligados ao seu eu futuro se sentirem, mais acentuado será o impacto no comportamento.
Conceção dissuasora
Um projeto financiado pela UE denominado Cutting Crime Impact (CCI), que decorreu durante três anos até finais de 2021, centrou-se em formas mais práticas de prevenção do crime. Estas incluem tornar os edifícios, bancos, bolsas e similares mais difíceis de atingir.
"É possível prevenir a criminalidade através da conceção do espaço", afirmou a Professora Caroline Davey, diretora do Design Against Crime Solution Centre da Universidade de Salford, na Grã-Bretanha.
A Professora coordenou o projeto CCI, que abrangeu sete países europeus: Estónia, França, Alemanha, Países Baixos, Portugal, Espanha e Reino Unido.
Desde a década de 90, o roubo de casas e carros diminuiu com a conceção de portas, janelas e alarmes contra roubo mais seguros.
"Estamos sempre a tentar encorajar os designers a pensar nos riscos associados aos seus produtos específicos", afirmou a Professora Davey. "Não é algo extremamente difícil - é bastante fácil prever o que será atrativo para potenciais criminosos".
Por exemplo, a parte de trás de um banco com aberturas suficientemente grandes que permitem passar dois dedos para chegar ao bolso ou saco de alguém irá incentivar os carteiristas. Por outro lado, conceber edifícios de modo a que os vizinhos se consigam ver uns aos outros dissuade os assaltos.
Os investigadores têm trabalhado com a polícia britânica da Grande Manchester para desenvolver um serviço de aconselhamento para arquitetos, urbanistas e promotores imobiliários sobre a prevenção do criminalidade.
"A polícia destaca os riscos numa determinada área e aconselham-nos sobre como podem reduzir esses riscos", afirmou a Professora Davey.
Dicas da polícia Ao abrigo do projeto CCI, foram elaboradas abordagens semelhantes com agências de aplicação da lei na maioria dos países participantes.
A polícia na capital da Estónia, Tallinn, também participou. Relatam que a criminalidade diminuiu no Parque Tondiraba - um grande espaço público na cidade - desde que este foi remodelado em cooperação com a polícia.
Kelly Miido, superintendente sénior responsável pelo policiamento comunitário nos bairros de Mustamäe e Kristiine, em Tallinn, afirmou que, juntamente com os seus colegas, teve de trabalhar arduamente para conseguir que as autoridades locais e os urbanistas pensassem nos potenciais riscos de segurança dos seus projetos e nas formas de os remover.
"Tivemos que recordar constantemente os urbanistas de que queríamos fazer parte do processo", disse.
Contudo, atualmente, os urbanistas e as autoridades locais abordam a sua equipa para pedir ajuda na conceção.
"Descobriram que, se nos envolverem, terão menos problemas a longo prazo", afirmou Miido.
Antes da remodelação, a polícia local tinha de enviar uma patrulha ao parque todos os dias, durante o verão. Agora são chamados duas ou três vezes por semana.
Conhecimento local
De acordo com Davey, coordenadora do projeto CCI, um dos resultados mais importantes do mesmo é um processo de transferência para quando os agentes da polícia comunitária são realocados.
Estes patrulheiros, que percorrem as ruas e conhecem os moradores, desempenham um papel importante na prevenção da criminalidade. Como as pessoas podem conversar com eles informalmente, estes agentes ficam a saber muito acerca das preocupações e problemas da vizinhança, inclusive em relação à vulnerabilidade social e à radicalização.
"O policiamento comunitário é muito importante, mas é muitas vezes prejudicado pela falta de financiamento e apreço pelo que estes agentes fazem", afirmou a Professora Davey.
Isto reflete-se na forma como os agentes podem ser reafetados sem qualquer processo de transferência. As relações construídas ao longo dos anos com uma comunidade podem ser perdidas da noite para o dia.
"A comunidade não é informada sobre a mudança e muitas vezes as organizações com que o agente da polícia trabalha - como os serviços sociais e as escolas - não têm conhecimento", afirmou a Professora Davey. «Tal pode ter um impacto significativo na confiança das pessoas no policiamento e, eventualmente, na sua qualidade de vida.»
Um sistema de transferência aborda o assunto com relativa facilidade e a baixo custo. Este sistema permite que o agente reafetado e o seu substituto percorram a área juntos e se encontrem com pessoas-chave.
"O sistema capta algo muito humano e importante, que são as relações que existem entre os agentes da polícia comunitária, a população local e as organizações locais", afirmou a Professora Davey.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.