Com os olhos postos na eventual reconstrução da Ucrânia, a Europa está a ajudar os académicos do país a retomar as suas vidas.
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Regis Nibaruta recorda-se perfeitamente da noite de 24 de fevereiro de 2022. Após meses de especulação sobre o aumento das tensões com a Rússia, às 3 da manhã, o seu telemóvel tocou. Era um colega engenheiro eletrotécnico que também frequentava a Universidade Nacional de Transporte Ferroviário de Dnipro, na Ucrânia, e que fazia parte do mesmo programa de formação da UE.
"Já viste as notícias?", perguntou o colega. "Estamos a ser atacados".
Apressar-se para ficar em segurança
Em pouco tempo, com a cidade industrial de Dnipro a ser alvo de pesados bombardeamentos russos, a realidade surgiu.
"Ficámos aterrorizados", afirmou Nibaruta. "Eu não sabia o que fazer nem para onde ir, mas sabia que tinha de fugir".
A guerra começou numa quinta-feira. No sábado, apenas com o seu passaporte e portátil como bagagem, Nibaruta estava na estação ferroviária de Dnipro, juntamente com milhares de pessoas que esperavam entrar num comboio para chegar à fronteira.
Passados 12 meses, Nibaruta, de 35 anos e proveniente do Burundi, está a salvo, instalado e reunido com colegas europeus na Universidade de Twente, nos Países Baixos, que ajudaram a orquestrar a sua fuga. Aí, está a conduzir uma investigação que poderá melhorar os futuros sistemas de transporte com emissões líquidas zero e que poderá também vir a ser fundamental na reconstrução das próprias infraestruturas da Ucrânia.
O projeto financiado pela UE, do qual Nibaruta faz parte, denomina-se Rede Europeia de Formação em colaboração com a Ucrânia para o Transporte Elétrico ou ETUT. A iniciativa reúne três universidades: Twente, Dnipro e Nottingham, no Reino Unido. Liderada pelos Professores Frank Leferink e Gert Rietveld, ambos especialistas em engenharia eletrotécnica, tem como objetivo tirar partido dos conhecimentos técnicos em eletrónica de potência e compatibilidade eletromagnética.
"O principal desafio de engenharia no desenvolvimento de um sistema de transporte elétrico mais sustentável e mais ecológico reside no desenvolvimento de sistemas de energia elétrica compactos, altamente eficientes e seguros que forneçam a energia necessária para carregar veículos elétricos ou abastecer comboios", afirmou o Professor Rietveld.
Através do projeto ETUT, financiado pelo programa Marie Skłodowska-Curie Actions (MSCA), a equipa está a desenvolver novas formas de satisfazer estas necessidades de energia.
Fluxos bidirecionais
Uma delas é através do desenvolvimento da eletrónica que permite o fluxo de energia em ambas as direções, uma característica que pode tornar-se uma componente fundamental nos comboios elétricos.
Quando um comboio trava, gera-se calor e, normalmente, esta energia é perdida. Com esta nova abordagem "bidirecional", a energia de travagem pode ser recuperada e reenviada para a rede elétrica, aumentando a capacidade. Alguns dos primeiros sistemas bidirecionais de alimentação ferroviária estão atualmente a ser instalados e testados na Europa.
O projeto ETUT está a permitir novas colaborações também de outras formas.
Nibaruta partilha um escritório com Ivan Struzho, de 31 anos e proveniente da cidade ucraniana de Mariupol, agora ocupada pela Rússia, que já se encontrava nos Países Baixos quando a guerra eclodiu.
Ao passo que a investigação de Nibaruta se centra na melhoria das tecnologias de bateria, a de Struzho analisa a interferência eletromagnética. Juntos estão a explorar como ajudar a reduzir as "perturbações" elétricas que podem ser causadas por sistemas de energia e levar a falhas de equipamento ou acidentes.
Contudo, o principal objetivo do projeto é formar e inspirar a próxima geração de engenheiros eletrónicos a desenvolver as tecnologias de transporte necessárias para um mundo sem emissões de carbono. Embora alguns membros da equipa, incluindo Nibaruta, tenham deixado a Ucrânia, a Universidade Nacional de Transporte Ferroviário de Dnipro continua a ser um parceiro ativo do projeto ETUT.
Vladimir Havryliuk, diretor do departamento na universidade, supervisiona remotamente o trabalho do projeto. Para o Professor, o projeto ETUT foi como uma tábua de salvação durante estes últimos 12 meses, permitindo a continuação da investigação.
"O projeto permite-me manter a minha atividade no terreno e tem sido um poderoso incentivo motivacional para todos os docentes e estudantes da universidade, uma vez que abre novos horizontes no estudo e no trabalho futuro", afirmou.
Prémios e regressos
Outra iniciativa importante para melhorar as ligações entre as comunidades de investigação da Ucrânia e da UE é o projeto MSCA4Ukraine para ajudar os investigadores deslocados da Ucrânia. Na véspera do aniversário de um ano da invasão russa, a Comissão Europeia anunciou que o projeto MSCA4Ukraine - com um orçamento de 25 milhões de euros - iria ajudar mais de 120 académicos ucranianos a prosseguir o seu trabalho em segurança durante os próximos dois anos.
Os investigadores, cujas áreas incluem ciências da vida, química, engenharia e humanidades, são acolhidos por organizações de toda a Europa e apoiados na sua investigação até poderem regressar a casa.
O projeto está a ser implementado pela Scholars at Risk Europe (SAR Europe), com sede na Universidade de Maynooth, na Irlanda, em parceria com a Fundação Alexander von
Humboldt, na Alemanha, e a Associação Europeia de Universidades. A Diretora da SAR Europe, Sinead O'Gorman, afirma que o projeto terá um impacto significativo na construção de pontes entre investigadores e trará benefícios a longo prazo para a UE e para a Ucrânia.
O enfoque está também em ajudar os investigadores ucranianos a manter ligações com colegas e instituições da Ucrânia. Em particular, os investigadores terão a opção de serem destacados para uma instituição na Ucrânia, quando for seguro fazê-lo.
"A nossa esperança é que, ao incluir este tipo de medidas e ligações, o esquema ajude os investigadores a restabelecer-se mais facilmente na Ucrânia quando chegar o momento", afirmou O'Gorman. "Isto irá contribuir para o objetivo mais amplo do esquema de apoiar o setor académico e de investigação ucranianos, face à invasão da Federação Russa e evitar a 'fuga de cérebros' permanente".
Tanto para o projeto MSCA4Ukraine como para o ETUT, a ideia é que o apoio aos investigadores ucranianos irá agora assegurar o avanço do trabalho académico e permitir que muitos regressem um dia à Ucrânia para colocar as suas competências ao serviço da reconstrução do país devastado pela guerra.
Struzho, que ainda mantém contacto regular com a família que permaneceu em Mariupol, exprime esperança.
"A minha cidade foi destruída", disse. "Se este projeto puder ajudar na reconstrução das infraestruturas da Ucrânia no futuro, seria muito bom. Espero, verdadeiramente, poder utilizar os meus conhecimentos para contribuir de alguma forma".
Este artigo foi publicado originalmente na revista "Horizon".