Os cientistas acompanham as aves com identificadores eletrónicos e radares para desvendar os mistérios do voo. Ao responder a questões ecológicas, os resultados das investigações também podem melhorar o planeamento de infraestruturas. As penas caracterizam as aves como um grupo, mas com as penas vêm proezas aéreas notáveis.
Corpo do artigo
Os fuselos conseguem voar 12 mil quilómetros sem parar, batendo as asas durante mais de 200 horas. O recorde de altitude das aves, conseguido por um grifo-eurasiático, é superior a 11 quilómetros. Alguns colibris batem as asas mais de 70 vezes por segundo. No entanto, continuamos sem saber muitas coisas sobre a quantidade de energia que as aves utilizam quando voam e sobre a influência do ambiente neste esforço. Um excelente exemplo são as migrações sazonais. As alterações ambientais provocadas pelo homem podem forçar as aves a gastar mais energia no ar e podem até interferir com rotas de migração importantes.
Zonas de voo
"Continuamos a observar a passagem de milhões de aves, e não sabemos onde estão nem quando viajam", afirmou Cecilia Nilsson, que participou do projeto Migration Radar, financiado pela rede de colaborações HORIZON. "Estamos a começar a perceber melhor que o ar representa uma parte importante do habitat das aves."
De uma perspetiva de conservação das aves, esta é uma oportunidade descurada.
Geralmente, a migração ocorre apenas em algumas noites por volta de maio e novamente por volta de setembro, de acordo com Nilsson, bióloga da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca. Saber quando e onde ocorre a migração poderia dar resultados positivos em matéria de conservação.
As turbinas eólicas, as restrições de voos e algumas atividades noturnas, por exemplo, poderiam ser ajustadas durante essas breves noites de migração. As superfícies forrageiras mais importantes para as rotas, também poderiam ser protegidas nesses períodos.
Nilsson começou a acompanhar aves com um antigo radar militar à noite, na cidade sueca de Lund. Ficou imediatamente encantada.
Revelações de radar
A especialista apaixonou-se pela utilização de radares para o estudo das aves. Atualmente, recorre aos dados do radar meteorológico para determinar o efeito das condições atmosféricas, dos movimentos de insetos e das paisagens, na migração das aves.
Esses radares varrem as camadas do céu em intervalos de poucos minutos para detetar a humidade, mas, durante o processo, detetam a massa total de aves a voar na zona. Costumam ser maioritariamente aves canoras e, como os biólogos conhecem aproximadamente o peso individual de cada ave, conseguem estimar quantas estão a sobrevoar o local pela simples divisão da massa total.
"Isto funciona muito bem para a migração noturna, o que por si só é uma sorte, uma vez que é uma das migrações mais difíceis de acompanhar através de outros meios", explica.
Combinados com outros dados, os dados de radar podem ajudar a fornecer uma imagem mais clara dos seus movimentos. Os observadores de aves ajudam os biólogos a compreender que espécies estão a voar.
A maioria das aves voam a altitudes entre 200 e mil metros, mas, tal como os aviões, dependendo das condições, podem optar por voar a maior altitude para evitar sistemas meteorológicos difíceis. Podem voar à noite para procurar alimentos durante o dia. Os alimentos são um estímulo essencial.
As forças do vento
As aves precisam de muito mais energia para voar do que os outros animais para caminhar, correr ou nadar, o que exige escolhas inteligentes para preservar a sua força no ar. "É como nadar contra uma corrente forte. Sabemos que escolhem as camadas altitudinais com os ventos mais benéficos."
Enquanto uma ave canora a voar contra o vento irá avançar pouco, pode, por exemplo, percorrer o dobro da distância com ventos fortes de feição.
Nilsson espera que os seus estudos de radar possam ajudar a compreender para onde vão as aves europeias e porquê. Acredita que isso pode, por sua vez, melhorar as políticas e o planeamento, inclusive das importantes energias renováveis, otimizando o uso de turbinas eólicas.
Os projetos de energia eólica na Europa têm sofrido atrasos nos processos nacionais de autorização em resultado das objeções dos grupos de conservação da natureza preocupados com a morte de aves por colisão com as turbinas.
"Não sabemos muito sobre as localizações, o que é importantíssimo hoje em dia, porque estarmos sempre a receber perguntas dos promotores, tais como a que altitude as aves irão sobrevoar o seu parque eólico".
A mania dos sensores
Uma outra fonte de informações sobre o comportamento de voo das aves são os sensores. Como parte do projeto FLIGHT financiado pelo CEP, a especialista Emily Shepard colocou registadores de dados nas aves que dependem do voo com batimento de asas e do voo planado.
Entre estas estavam os condores-dos-andes, abutres com uma envergadura de asas superior a três metros, que são planadores exímios. As aves são tão especializadas em planagem que batem as asas apenas 1% do tempo durante voos forrageiros, independentemente das condições meteorológicas, de acordo com a ecologista da Universidade de Swansea, Reino Unido.
"Dependem basicamente de encontrar correntes de ar ascendentes para viajar", afirmou.
Shepard colocou sensores para registar os batimentos das asas, a direção e a altitude dos condores-dos-andes. Como parte do projeto FLIGHT, também estudou os pombos no Reino Unido e na Alemanha como exemplos de aves que voam batendo as asas, e as aves tropicais de cauda vermelha na ilha Maurícia que alternam entre o voo com batimento de asas e o voo planado em correntes de ar quente.
"O acompanhamento do movimento das aves desenvolveu-se de forma muito rápida, uma vez que os sensores foram miniaturizados pelos bens de consumo, como relógios inteligentes e telemóveis", afirmou. Os sensores podem revelar quando e como as aves voam com eficácia, e, curiosamente, quando não é assim. Shepard descobriu que os pombos podem ser muito ineficientes.
A docente vê nesta investigação uma garantia de conservação das aves, uma vez que o desenvolvimento de infraestruturas e as alterações climáticas estão a afetar as rotas de voo e o esforço das aves.
"Pensa-se que a quantidade de energia que as aves gastam durante o voo é um fator determinante da quantidade de energia que despendem todos os dias", afirmou. "Estamos a tentar compreender o impacto do movimento do ar em todos estes animais e, também, as decisões que tomam e como estas influenciam os locais para onde voam."
Sem máscaras
Na década de 1970, várias experiências determinaram a quantidade de energia gasta colocando máscaras nas aves e recolhendo amostras do ar que exalavam. Os níveis de CO2 podem indicar aos cientistas a quantidade de oxigénio que gastaram. "Foi genial", afirma Shepard. "Mas as aves não costumam voar com máscaras e tubos."
Está agora a experimentar novas formas de medição sem máscaras.
A sua equipa demonstrou que consegue medir o fôlego individual de aves tão pequenas como os tentilhões-zebra, em repouso. Um treinador de pombos, Kim Toogood, treinou algumas das suas aves para voarem num túnel de vento em Swansea. Shepard pretende medir a energia despendida por estes pombos durante o voo, e comparar esses valores com os recolhidos pelos identificadores eletrónicos.
Uma de várias perguntas a responder, é se as alterações ao ambiente aéreo resultantes de causas humanas poderão afetar a energia utilizada pelas aves durante o voo.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.