Batelões, rebocadores, navios porta-contentores e ferries movidos a hidrogénio e baterias, para transporte nas vias navegáveis interiores são as apostas científicas para reduzir as emissões da navegação.
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O Pacto Ecológico da UE está a tentar tornar a Europa neutra em termos climáticos até 2050. A Organização Marítima Internacional (IMO) está a tomar medidas para reduzir as emissões dos transportes marítimos em pelo menos metade até 2050. A eletrificação promete tornar-se uma solução chave para reduzir as emissões dos transportes marítimos, mas a tecnologia das baterias marítimas ainda não está suficientemente madura para o permitir.
"As baterias para as indústrias marítimas ainda não estão no ponto de custos desejável para tornar a navegação totalmente elétrica possível a larga escala", afirma Jeroen Stuyts, da Flanders Make, um instituto de pesquisa na Bélgica.
Stuyts afirma que neste momento alguns tipos de navios são mais adequados para funcionar com baterias do que outros. Estes incluem ferries que funcionam em rotas pré-determinadas e navios porta-contentores mais pequenos que navegam em rotas fixas.
As suas viagens são muito previsíveis e têm padrões de funcionamento fiáveis. Isto facilita a análise do consumo de energia e o cálculo dos custos da eletrificação, para compreender se é ou não economicamente viável.
Reduzir os custos
Por outro lado, os contentores marítimos e os navios de carga em viagens intercontinentais são difíceis de eletrificar devido à variabilidade das condições. "É necessária uma bateria muito, muito, muito grande para lidar com toda a incerteza", explicou Stuyts.
Os navios alimentados por baterias são uma solução dispendiosa "principalmente porque as baterias desenvolvidas para uso marítimo são tipicamente feitas à medida para um determinado modelo de navio", explica Stuyts. Isto torna-as únicas e, portanto, caras. Stuyts é o coordenador do projeto SEABAT, financiado pela UE, que está a desenvolver uma bateria elétrica para o setor marítimo. Estão a trabalhar para trazer a inovação das tecnologias de baterias da indústria automóvel para o setor marítimo e reduzir os custos.
O objetivo é desenvolver um sistema modular de baterias que pode ser utilizado numa grande variedade de navios.
Não ajuda que haja pouca investigação para baterias do setor marítimo. As necessidades energéticas dos navios são completamente diferentes das dos outros veículos. A maioria dos carros tem uma capacidade de bateria de cerca de 40-100 kWh (quilowatt-hora), mas os navios requerem 10, 20 ou mesmo 100 vezes mais capacidade.
Misturar e combinar
O SEABAT está a desenvolver um sistema que consiste em módulos padronizados para os vários componentes da bateria, tais como células sistemas de arrefecimento e alimentação eletrónica.
Estes podem ser combinados em suportes (racks) e escalonados para criar baterias de diferentes tamanhos. O SEABAT irá desenvolver uma forma de construir baterias por medida feitas de componentes normalizados que podem ser produzidos em massa, reduzindo drasticamente os custos.
A natureza modular do sistema também permite a combinação de diferentes tipos de células de bateria, ou mesmo outros tipos de armazenamento, tais como super-condensadores. Stuyts explica que é possível criar soluções de bateria adaptadas às necessidades específicas do navio, e atualizar o sistema à medida que novas tecnologias de células de bateria são desenvolvidas.
Hidrogénio verde
Quando é possível usar baterias, elas são um meio bom e eficiente de descarbonizar, de acordo com Jyrki Mikkola, da VTT na Finlândia. Mas também precisamos de soluções para situações que não podem ser resolvidas apenas com baterias. No projeto FLAGSHIPS financiado pela UE, que Mikkola coordena, os parceiros do projeto estão a desenvolver células de combustível de hidrogénio para dois navios de demonstração operados comercialmente. Ao conceberem um batelão e um navio porta-contentores alimentados a hidrogénio verde, esperam lançar a era do transporte marítimo e fluvial limpo na Europa.
O FPS Waal, um navio porta-contentores terrestre de 110 metros registado na Holanda, irá percorrer cerca de 80 quilómetros ida e volta, de Duisburg, na Alemanha, até Roterdão, na Holanda. O navio, transportando 200 contentores de transporte normalizados, irá substituir um navio diesel que atualmente transporta mercadorias entre o porto regional interior e o porto internacional em Roterdão.
Batelão no Sena
A outra embarcação é um batelão de navegação interior com 60 metros de comprimento para o transporte de carga no rio Sena. Chamada "Zulu 06", a nova embarcação traz a navegação movida a hidrogénio para o centro de Paris. O Zulu 06 será o primeiro batelão fluvial movido a hidrogénio de emissão zero na Europa.
Como Mikkola explicou, a embarcação fluvial irá distribuir mercadorias ao longo do rio Sena, no centro de Paris, de modo a substituir alguns transportes de mercadorias nas estradas congestionadas da cidade. "O batelão terá a sua própria grua para poder descarregar, basicamente, em qualquer lugar ao longo do rio", afirmou.
O sistema de propulsão que o projeto FLAGSHIPS desenvolveu é também modular. Cada módulo de célula de combustível de hidrogénio tem 200 quilowatts e vários módulos podem ser ligados entre si para escalar até ao máximo de potência necessária. O batelão de Paris utilizará duas células de combustível, fornecendo 400 quilowatt de potência, enquanto o FPS Waal terá 1,2 megawatts de potência a partir de seis módulos de células.
Híbridos de hidrogénio
Os recipientes híbridos movidos a hidrogénio ainda empregam motores elétricos acionados por baterias. Mas permitem o uso de baterias mais pequenas que são constantemente recarregadas pelas células de combustível de hidrogénio. O hidrogénio é relativamente denso em energia e leve, em comparação com as baterias, permitindo alcances mais longos com menos impacto geral na conceção do navio.
Além de reduzir as emissões de GEE, os navios a hidrogénio não emitem gases poluentes como dióxido de enxofre e óxidos de azoto.
"O hidrogénio verde produzido localmente, combinado com a tecnologia de células de combustível, oferece uma opção muito interessante e viável para a indústria naval, que está ansiosamente à procura de soluções para tornar verdes as suas operações nas vias navegáveis interiores", aforma Mikkola.
Uma vez que as células de combustível e os navios de hidrogénio não têm emissões locais, a qualidade do ar nas cidades poderia ser largamente melhorada se as tecnologias pudessem ser implementadas em grande escala. Poderiam mesmo substituir camiões que emitem gases tóxicos, bem como os atuais sistemas de transporte por via aquática.
A UE está empenhada numa mudança a longo prazo para uma energia limpa a fim de reduzir a sua dependência dos combustíveis russos. A mudança para tecnologias como o hidrogénio permitiria a produção de combustível numa base local e regional.
Hidrogénio local
"Podemos instalar pequenos eletrolisadores em diferentes portos na Europa e produzir o (hidrogénio) localmente", defende Mikkola.
A FLAGSHIPS faz parte de uma estratégia mais ampla financiada pela UE para desenvolver o transporte de mercadorias movido a hidrogénio para as vias navegáveis da Europa. O projeto pretende que os seus dois navios aumentem a consciência do transporte por via aquática com emissões zero, encorajando outros a seguirem o exemplo.
Para Stuyts e para o SEABAT, é também importante conduzir investigação sobre estas tecnologias do futuro, na Europa. A maioria das matérias-primas necessárias para as baterias vem de fora da Europa, principalmente da Ásia. Isto significa que os especialistas na Europa terão de saber projetar e construir sistemas de baterias. O financiamento da UE para a investigação e inovação na área desempenha um papel essencial para ajudar a Europa a manter-se competitiva neste mercado.
A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.