Uma melhor adaptação das receitas médicas à composição biológica única de cada paciente pode levar a grandes melhorias na saúde.
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A mesma dose não é necessariamente boa para todos. Isto é tão verdade em medicina como na maioria das outras áreas da vida. As pessoas podem reagir de forma muito diferente ao mesmo tratamento e os resultados são potencialmente muito graves.
Consequentemente, pode ser difícil para os médicos decidir exatamente qual o medicamento a receitar a pacientes com os mesmos sintomas, mas com composições genéticas e biológicas muito diversas. A investigação no domínio da medicina personalizada procura adaptar as prescrições de medicamentos a perfis individuais de forma mais eficaz.
Caso de colesterol
Na Universidade de Helsínquia, na Finlândia, o projeto financiado pela UE IndiviStat está a analisar a utilização de estatinas nesta doença em particular. Este medicamento comum para reduzir o colesterol é um dos mais prescritos na Europa, e mesmo no mundo. As estatinas têm uma ação reconhecida na redução da ameaça de doença e morte em pessoas em risco de doença cardíaca, reduzindo os níveis de "mau" colesterol.
Infelizmente, um efeito secundário comum são as dores musculares, que podem fazer com que algumas pessoas deixem de tomar este fármaco. As consequências podem ser fatais. Um Estudo dinamarquês concluiu que o abandono da terapêutica com estatinas aumentava o risco de ataque cardíaco em 26%.
"Pode haver um excesso de 20 a 30 mil mortes em todo o mundo que resultam dos pacientes deixarem a medicação», disse o Professor Mikko Niemi, um farmacologista clínico da Universidade de Helsínquia que está a liderar o projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (CEI). Niemi tem vindo a investigar como as mutações genéticas afetam as reações das pessoas às estatinas desde o início dos anos 2000.
A subvenção do CEI de 2 milhões de euros, que recebeu em 2017, irá ajudá-lo a conceber um algoritmo para ajudar os médicos a escolher a estatina mais adequada para cada paciente, (há cerca de meia dúzia por onde escolher). Ao premir um botão, o algoritmo utilizará os resultados de um teste genético para avaliar a forma como o corpo do paciente reagirá às diferentes estatinas e selecionar a que melhor se adapta à pessoa.
"As diferenças com as estatinas não estão na atuação do fármaco no corpo, mas na forma como o corpo lida com o fármaco", disse Niemi.
Teste aos músculos
Todas as estatinas funcionam da mesma maneira, bloqueando o fabrico de colesterol de baixa densidade (mau) nas células hepáticas. Mas em algumas pessoas, o fígado pode ter uma predisposição para consumir menos desse fármaco para que este circule mais no sangue.
À medida que os níveis de estatina no sangue sobem, o risco de toxicidade muscular aumenta. Isto pode levar a dores musculares que fazem com que algumas pessoas deixem de tomar o medicamento.
No final do projeto de investigação, o algoritmo será testado entre 500 a mil doentes finlandeses a quem serão receitados os medicamentos para a redução do colesterol.
"Esperamos poder reduzir o número de doentes que deixam de tomar estatinas de cerca de 30% para 20%", disse Niemi. Este resultado poderia salvar milhares de vidas.
Tudo bem
As estatinas não são os únicos medicamentos que alteram a vida que poderiam beneficiar de abordagens novas e mais adaptadas aos indivíduos. A medicina personalizada é um modelo médico que visa adaptar a estratégia terapêutica certa para a pessoa certa no momento certo. Pode ajudar a determinar a predisposição de um doente para a doença e propor o tratamento correto, com base na situação única do indivíduo, antes que uma doença progrida demasiado. A Comissão Europeia tem vindo a apoiar a investigação em medicina personalizada há muitos anos. A professora Sara Marsal do Instituto de Investigação Vall d'Hebron em Barcelona, Espanha, está a estudar seis doenças inflamatórias no contexto do projeto DocTIS financiado pela UE. Envolve organizações de investigação de Itália, Alemanha, Espanha, Suécia, Reino Unido e EUA.
As doenças em análise incluem psoríase, doença de Crohn e artrite reumatoide. À primeira vista, estas parecem bastante diferentes, atingindo a pele, o intestino e as articulações. No entanto, os médicos há muito que reconhecem que os seus sintomas se sobrepõem.
No início da sua carreira como médica, Sara Marsal recorda como os pacientes que consultavam um dermatologista para a psoríase são encaminhados para ela, por exemplo, para a artrite. "Estas doenças são condições crónicas altamente prevalecentes e não temos cura", afirmou.
Então, há 20 anos, a ligação foi confirmada quando foi encontrado um grupo de medicamentos anti-inflamatórios, inibidores necrose tumoral alfa (TNF), que reduzem os sintomas em pacientes com as três doenças. Estudos mais recentes revelaram uma genética partilhada entre estas doenças.
Os pacientes com estas doenças inflamatórias também têm experiências comuns. A sua doença pode exacerbar, melhorar durante algum tempo, mas nunca desaparecer. Pode ser-lhes prescrito um medicamento, que reduz os sintomas, mas com o tempo estes benefícios desvanecem-se. O médico prescreve então um tratamento diferente. O paciente pode ou não responder ao medicamento.
Ajuda do Biobanco
Marsal tem um plano para melhor a situação através do DocTIS, projeto com uma duração de seis anos e que terminará em 2025. As outras três doenças avaliadas são a colite ulcerosa, o lúpus e a artrite psoriásica. O projeto está a explorar um biobanco, que a Prof. Marsal ajudou a construir, que armazena milhares de amostras biológicas de doentes com doenças inflamatórias crónicas.
Os investigadores irão analisar as células, proteínas e genes dos pacientes no início de um tratamento. Isto é para ajudar a compreender a biologia associada a uma resposta ao tratamento.
Após três meses de terapia observa-se se o indivíduo terá, ou ou não, respondido. O projeto pretende identificar, a nível molecular e celular, as razões das diferenças na resposta e direcionar com mais rigor os tratamentos existentes.
"Precisamos urgentemente de compreender a biologia por detrás das respostas ou da falta delas, para prever qual será o resultado da utilização conjunta de alguns destes medicamentos", disse Marsal
Pares de medicamentos
As experiências em células, e depois em animais, identificarão prováveis pares de medicamentos para pacientes com qualquer uma das seis doenças inflamatórias. No final do projeto, um ensaio clínico administrará estas combinações aos pacientes. Se for bem-sucedido, ajudará os clínicos a fazer chegar os medicamentos existentes a pacientes específicos.
"Estamos a lutar por uma maior eficácia, sem preocupações de segurança", disse Marsal. «Isto seria um resultado fantástico».
Normalmente, o desenvolvimento de um novo medicamento pode levar uma década, sem qualquer garantia de sucesso. Contudo, esta nova abordagem com os medicamentos existentes significa que os pacientes poderão beneficiar de uma nova combinação no final do projeto, dentro de cerca de três a quatro anos. Antes disso, Marsal e os seus colegas esperam publicar resultados que ajudem os cientistas e médicos a compreender melhor os fundamentos biológicos subjacentes a estas doenças inflamatórias crónicas.
Em Helsínquia, a ambição de Niemi é que o seu algoritmo de escolha de estatinas esteja disponível não só na Finlândia ou na Europa, mas em todo o mundo. Sendo as doenças cardiovasculares e inflamatórias tão comuns, ambos os projetos têm o potencial de melhorar a saúde de inúmeras pessoas.
A investigação neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Investigação (CEI) da UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.