Os desafios da Ciência para 2023: das drogas psicadélicas aos drones de resgate
Cinco peritos que colaboraram com a revista Horizon em 2022 descrevem como as suas áreas de atividade irão evoluir no próximo ano e muito mais.
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Do reforço da água potável, passando pelo combate à depressão, pelos drones que salvam vidas e aos scanners que interpretam pensamentos, 2023 promete ser um grande ano para a ciência. Ainda assim, não espere voar num avião alimentado por eletricidade em breve.
Pascal Belin, neurocientista da Universidade de Aix-Marseille em França e investigador principal do projeto COVOPRIM, financiado pela UE, estuda humanos e macacos para compreender melhor o que acontece no cérebro dos primatas quando estes comunicam. Os scanners mostram uma semelhança notável na forma como os cérebro humano, dos micos e dos macacos reagem quando ouvem uma voz de outro membro da sua espécie. No próximo ano, os investigadores planeiam implantar elétrodos em cérebros de macacos para investigar este fenómeno ao nível de células nervosas. As implicações são de grande alcance, tanto para as pessoas que perdem a capacidade de falar após uma lesão cerebral ou um AVC, como para a espécie humana em geral.
"Em breve, seremos capazes de interpretar a atividade dos neurónios em diferentes regiões do cérebro de forma muito clara. Já estamos a compreender cada vez melhor qual a região que faz o quê. Em breve, seremos capazes de descodificar o que alguém está a ouvir, simplesmente observando a atividade cerebral. Seremos também capazes de elucidar o que as pessoas estão a imaginar sem que os seus pensamentos sejam vocalizados. Não é bem o mesmo que ler os pensamentos de alguém - trata-se mais de reconstruir o que se passa no cérebro através da interpretação da atividade dos neurónios".
Com o tempo, os nossos novos conhecimentos serão também utilizados para controlar máquinas. Estão a ser feitos cada vez mais progressos nesta área. Haverá implantes neurais, do tipo já instalado em alguns pacientes epiléticos quando não respondem ao tratamento, que podem ser estrategicamente colocados no cérebro para melhorar a perceção de uma pessoa - tal como um implante coclear é usado hoje em dia em milhares de surdos para poderem ouvir - ou para enviar impulsos que comandam um computador.
"Significará que as pessoas podem expressar-se sem utilizar um teclado. Um teclado e uma caneta são muletas estranhas que foram necessárias no nosso caminho para a inovação tecnológica para nos permitir converter informação verbal no nosso cérebro em palavras escritas, mas não serão necessárias uma vez que o seu computador possa ler essa informação diretamente do nosso cérebro. Embora eu não seja especialista em interfaces cérebro-computador, acredito que este tipo de inovação estará disponível dentro de cinco a 10 anos, não 40".
Drones de resposta de emergência salvam vidas nos céus digitais
Gian Paolo Cimellaro, engenheiro da Universidade Politécnica de Turim, Itália, estuda a forma como as cidades de amanhã irão melhorar a segurança tanto dos residentes como das estruturas.
Cimellaro liderou o projeto IDEAL DRONE financiado pela UE para desenvolver drones que podem ser utilizados por bombeiros para ajudar a localizar pessoas presas em edifícios em chamas. Ele acredita que as técnicas de monitorização de estruturas e salvamento de civis irão melhorar imensamente nos próximos anos.
Veremos uma enorme mudança no campo da resiliência a catástrofes - tanto a curto como a médio prazo. As tecnologias avançadas em que temos trabalhado permitirão localizar pessoas dentro de edifícios e em breve poderemos fazer ainda melhor. Por exemplo, as equipas de salvamento usarão exoesqueletos - fatos robustos que sincronizam com o seu movimento e lhes dão proteção e força - para que possam mover destroços pesados para chegar aos sobreviventes.
As alterações climáticas irão colocar mais pressão sobre as infraestruturas, o que significa que as catástrofes irão acontecer com mais frequência, pelo que teremos de criar maior resiliência em todas as infraestruturas civis. Sempre que há um desastre, tal como um colapso parcial da ponte, a funcionalidade cai e há um processo de recuperação. Estaremos a minimizar o tempo de paragem. Usando ainda o exemplo da ponte, a única maneira de saber se uma ponte é segura, hoje em dia, é através de inspeção visual: o engenheiro olha para o tabuleiro e decide se substitui ou não uma peça. Mas em breve, os sensores irão tornar-se mais baratos e as pontes estarão cobertas por eles. Estes informarão sobre os níveis de desgaste. Dessa forma, quando um problema é detetado, pode ser resolvido antes de se converter numa crise.
"Eventualmente, teremos "super inteligência artificial", onde uma máquina estará mais capacitada para uma inspeção do que um engenheiro e pode inspecionar uma estrutura e executar outras ações melhor do que qualquer humano. Para pontes muito longas, a inspeção será feita por drones equipados com robôs capazes de recolher múltiplos conjuntos de informação ao mesmo tempo utilizando câmaras de alta resolução, câmaras térmicas e scanners a lase"..
Substâncias psicadélicas para doentes crónicos
Os fármacos psicadélicos, quando combinados com psicoterapia especializada, mostram-se muito promissores no tratamento de doenças mentais crónicas e complicadas. Os cientistas na Europa e nos EUA, incluindo Claudia Schwarz-Plaschg, estão a desvendar a neurociência das "viagens" psicadélicas, na esperança de pôr fim a condições debilitantes como a depressão e o trauma. Schwarz-Plaschg concluiu o projeto ReMedPsy financiado pela UE, no qual examinou os pontos de vista da sociedade sobre estas substâncias.
"Tenciono investigar os benefícios de substâncias psicadélicas que vão além das questões de saúde mental, tais como depressão, perturbação de stress pós-traumático (PSPT) e dependência para incluir qualquer condição em que a mente e o corpo estejam integrados - desde o autismo e demência até à obesidade e distúrbios da dor. Prevejo também mais investigação sobre como os psicadélicos podem aumentar a criatividade e ajudar na resolução de problemas, uma vez que estas substâncias são conhecidas por fomentarem mudanças de perspetiva", defende.
"Prevejo também mais investigação sobre os benefícios espirituais e religiosos destas substâncias. Estamos a atravessar uma crise espiritual na sociedade ocidental. Os psicadélicos poderiam desempenhar um papel na ajuda às pessoas a encontrar novamente um significado mais profundo na vida. Espero que 2023 me permita, a mim e a outros estudiosos críticos, analisar a forma como o conhecimento é criado neste campo".
Aviação verde toma asas com desenhos de aeronaves elétricas
Dada a contribuição das viagens aéreas para o aquecimento global, os investigadores europeus estão a explorar o potencial dos motores elétricos e híbridos para reduzir a pegada de carbono dos jatos. Com as baterias de hoje ainda longe de estarem prontas para uso comercial, Fabio Russo, chefe de investigação do fabricante de aviões italiano Tecnam e coordenador do projeto H3PS financiado pela UE, diz que o progresso real exige que as companhias aéreas assumam compromissos tangíveis.
"A nossa empresa está a colocar recursos e engenharia no desenvolvimento de novas tecnologias tanto para aeronaves totalmente elétricas como híbridas. Contudo, as baterias elétricas funcionam apenas em aviões ligeiros com um tempo de voo de cerca de 20 ou 30 minutos além da reserva, por isso, claramente que é pouco provável que funcione para os que queiram voar mesmo em voos comerciais de pequeno curso", afirmou.
"Porque é que as coisas não estão a andar tão depressa como gostaríamos? Porque, embora vejamos muitos comunicados de imprensa de companhias aéreas a expressarem a sua intenção de estarem num caminho sustentável, só raramente acontece algo tangível. Não existe um modelo de negócio progressivo, nem compromissos significativos quando se trata de fazer promessas sobre compras de aeronaves mais limpas. Isto não ajuda os fabricantes a desbloquear enormes investimentos com segurança. E isto tem de mudar ou então os engenheiros, fabricantes e companhias aéreas irão pôr em risco a sua credibilidade", explica.
"Atualmente, uma bateria não pode ser utilizada em aeronaves quando o seu desempenho desce abaixo dos 90% porque, nesse momento, o alcance de voo fica gravemente comprometido e há um risco acrescido de sobreaquecimento da bateria. Isto significa que após cerca de 800 ciclos de voo ( tipicamente algumas semanas de voo) a bateria precisa de ser removida e trocada por uma nova bateria comprada por provavelmente muitos milhares de euros. E isso é apenas para um avião de nove passageiros com um alcance muito curto. Isto é demasiado dispendioso para fazer sentido comercial, além de ser um desperdício ambiental. Nos próximos anos, espero que encontremos formas de fazer com que as baterias durem mais tempo e permitam que sejam 'renovadas»' o que significa que a companhia aérea devolveria a sua bateria ao fabricante e receberia outra com novas células. A bateria antiga seria então vendida para alimentar outras máquinas como a eletrónica de consumo ou as utilizadas para armazenamento de energia", prevê.
Escassez de água doce volta as atenções para o ar e para o mar
A disponibilidade de água doce está a diminuir em todo o mundo. À medida que as populações crescem e as secas se agravam, os cientistas procuram novas formas de converter água altamente salina (tal como existe nos oceanos) numa forma que possa ser canalizada para uso doméstico e industrial. George Brik é diretor executivo da Hydro Volta, uma empresa sediada na Bélgica com uma tecnologia patenteada de dessalinização. Desenvolvida no projeto SonixED financiado pela UE, a tecnologia é muito mais ecológica do que qualquer outra utilizada atualmente, exigindo muito menos energia e menos químicos.
"O mundo tem um abastecimento ilimitado de água do mar, mas dessalinizar a água utilizando as técnicas tradicionais é um processo caro que implica muito desperdício, e é mau para o ambiente". É aqui que a Hydro Volta pode ajudar. "A nossa tecnologia torna a conversão da água do mar em água doce não só mais barata como mais segura para o ambiente. Temos de ampliar os nossos processos e fazer passar a mensagem aos governos e à indústria de que podemos ajudá-los a resolver um problema importante e crescente. Estou confiante de que vamos ter esta oportunidade nos próximos anos".
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.