Dada a extrema precisão necessária para certas operações médicas, os robôs de última geração prometem facilitar as cirurgias.
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Numa cirurgia na Índia, um robô examina o joelho de um paciente para descobrir a melhor forma de efetuar uma substituição da articulação. Entretanto, numa sala de operações na Holanda, outro robô está a realizar uma microcirurgia altamente desafiante sob o controlo de um médico, utilizando joysticks.
Tais cenários vão tornar-se cada vez mais comuns. Atualmente, algumas operações manuais são tão difíceis que só podem ser realizadas por um número muito limitado de cirurgiões em todo o mundo, enquanto outras são invasivas e dependem da habilidade específica de um cirurgião.
A robótica avançada está a fornecer ferramentas que têm o potencial de permitir que mais cirurgiões realizem tais operações e o façam com uma maior taxa de sucesso.
"Vamos entrar na próxima revolução na medicina", disse Sophie Cahen, diretora geral executiva e cofundadora da Ganymed Robotics em Paris.
Joelhos novos
Cahen lidera o projeto Ganymed financiado pela UE, que está a desenvolver um robô compacto para tornar as operações de substituição de articulações mais precisas, menos invasivas e, por extensão, mais seguras.
O foco inicial é um tipo de cirurgia chamada artroplastia total do joelho (ATJ), embora a Ganymed esteja a procurar expandir-se para outras articulações, incluindo o ombro, tornozelo e anca.
O envelhecimento da população e as mudanças de estilo de vida estão a acelerar a procura de tal cirurgia, de acordo com Cahen. O interesse no robô da Ganymed tem sido expresso em muitos quadrantes, incluindo por distribuidores em economias emergentes como a Índia.
"A procura é super-alta porque a artroplastia é impulsionada pela idade e peso dos pacientes, que está a aumentar em todo o mundo", disse Cahen.
Braço com olhos
O robô da Ganymed tem como objetivo desempenhar duas funções principais: localização sem contacto de ossos, e colaboração com cirurgiões para ajudar nos procedimentos de substituição de articulações. Compreende um braço montado com "olhos", que utilizam inteligência avançada orientada por visão do computador para examinar a posição e orientação exatas da estrutura anatómica de um paciente. Isto evita a necessidade de inserir varas invasoras e sondas óticas no corpo.
Os cirurgiões podem então realizar operações utilizando ferramentas tais como serras sagitais, utilizadas para procedimentos ortopédicos, em colaboração com o braço robótico.
Os "olhos" ajudam à precisão, fornecendo o chamado feedback tátil, que impede o movimento dos instrumentos para além dos limites virtuais pré-definidos. O robô também recolhe dados que pode processar em tempo real e utilizar para aperfeiçoar ainda mais os procedimentos.
A Ganymed reuniu 100 pacientes num estudo clínico para testar a tecnologia de localização óssea e Cahen afirmou ter conseguido a precisão desejada. "Ficámos extremamente satisfeitos com os resultados: excederam as nossas expectativas", afirmou.
Agora estão a realizar estudos sobre o procedimento ATJ, com a esperança de que o robô esteja totalmente disponível para comercialização até ao final de 2025 e se torne uma ferramenta de uso geral a nível mundial.
"Queremos torná-lo económico e acessível, de modo a democratizar o acesso aos cuidados e cirurgias de qualidade", disse Cahen.
Dimensões microscópicas
Os robôs estão a ser desenvolvidos não só para ortopedia mas também para cirurgia de alta complexidade a nível microscópico. O projeto MEETMUSA, financiado pela UE, tem vindo a desenvolver o que descreve como o primeiro robô cirúrgico do mundo para microcirurgia certificado sob o regime regulamentar "CE" da UE.
Chamado MUSA, este robô pequeno e leve é ligado a uma plataforma equipada com braços capazes de segurar e manipular instrumentos microcirúrgicos com um elevado grau de precisão. A plataforma é suspensa acima do paciente durante uma operação e é controlada pelo cirurgião através de joysticks especialmente adaptados.
Num estudo de 2020, os cirurgiões relataram a utilização do MUSA para tratar o linfedema relacionado com o cancro da mama - uma condição crónica que ocorre normalmente como efeito secundário do tratamento do cancro e que se caracteriza por um inchaço dos tecidos corporais em resultado de uma acumulação de fluidos.
Para realizar a cirurgia, o robô suturou com sucesso - ou ligou - minúsculos vasos linfáticos de 0,3 a 0,8 milímetros de diâmetro a veias próximas na área afetada.
"Os vasos linfáticos têm menos de 1 mm de diâmetro, pelo que é necessária muita perícia para o fazer", disse Tom Konert, que lidera o MEETMUSA e é especialista da área clínica na empresa de tecnologia médica assistida por robôs Microsure em Eindhoven, na Holanda. "Mas com robôs, pode fazê-lo mais facilmente. Até agora, no que diz respeito aos resultados clínicos, vemos resultados muitíssimo bons".
Mãos firmes
"Quando operações tão delicadas são realizadas manualmente, são afetadas por qualquer ligeiro tremor, mesmo nas mãos de cirurgiões altamente qualificados", explicou Konert, "com o robô, este problema pode ser evitado".
O MUSA pode também reduzir significativamente os movimentos gerais da mão do cirurgião em vez de simplesmente repeti-los um a um, permitindo uma precisão ainda maior do que com a cirurgia convencional.
"Quando um sinal é criado com o joystick, temos um algoritmo que filtra o tremor", disse Konert. "Reduz também os movimentos. Isto pode representar uma diferença de fator -10 ou 20 e dá ao cirurgião uma grande precisão".
Além do tratamento do linfedema, a versão atual do MUSA, a segunda, após um protótipo anterior, foi utilizada para outros procedimentos, incluindo a reparação de nervos e a reconstrução de tecidos moles da parte inferior da perna.
Próxima geração
A Microsure está agora a desenvolver uma terceira versão do robô, o MUSA-3, que Konert espera tornar-se a primeira a estar disponível para ser comercializada globalmente.
Esta nova versão terá várias atualizações, tais como melhores sensores para aumentar a precisão e melhorar a manobrabilidade dos braços do robô. Também será montada num carrinho com rodas em vez de uma mesa fixa para permitir um transporte fácil dentro e entre salas de operações.
Além disso, os robôs serão utilizados com exoscópios, um novo sistema de câmara digital de alta definição. Isto permitirá ao cirurgião visualizar um ecrã tridimensional através de óculos de proteção, a fim de realizar uma "microcirurgia de cabeça levantada", em vez do processo menos confortável de olhar através de um microscópio.
Konert está confiante de que o MUSA-3 será amplamente utilizado em toda a Europa e nos EUA antes do objetivo inicial de 2029.
"Estamos atualmente a finalizar o desenvolvimento do produto e a preparar os ensaios clínicos do MUSA-3", disse. "Estes estudos terão início em 2024, com aprovações e início da comercialização previstos para 2025 a 2026".
O MEETMUSA está também a estudar o potencial da inteligência artificial (IA) para melhorar ainda mais os robôs. No entanto, Konert acredita que o objetivo das soluções de IA passa por orientar os cirurgiões nos seus objetivos e ajudá-los a exceder-se, mais do que a alcançar uma cirurgia completamente autónoma.
"Penso que o cirurgião estará sempre presente no processo, mas estas ferramentas ajudarão definitivamente o cirurgião a atuar ao mais alto nível no futuro", acrescentou.
A investigação neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Inovação (CEI) da UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.