A primeira chamada móvel de sempre foi efetuada há 50 anos, nos Estados Unidos. Meio século volvido, os telemóveis transformaram-se em poderosas máquinas capazes de causar ansiedade e depressão. No futuro, vão salvar vidas, diz o homem conhecido como "pai do telemóvel". Mas, de momento, o conselho de Martin Cooper é outro: "deixem de olhar para os ecrãs".
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A 3 de abril de 1973, os nova-iorquinos que passavam na 6.ª avenida foram surpreendidos por um homem na rua e a falar para um "tijolo" encostado ao ouvido. "Joel, aqui é Martin Cooper. Estou a ligar de um telemóvel. Mas um telefone de mão, pessoal, portátil". O destinatário da primeira chamada de um telemóvel foi Joel Engel, engenheiro da Bell System, empresa norte-americana que estava na corrida com a Motorola, de Cooper, para desenvolver um telefone portátil, desde meados dos anos de 1960.
Cooper usou um telemóvel que pesava mais de um quilograma. Tinha cerca de 25 centímetros de comprimento e uma bateria para 25 minutos. O engenheiro da Motorola desceu à rua para testar o protótipo, apodado de DynaTAC (acrónimo para Cobertura Dinâmica e Adaptativa de Área Total), e fez uma chamada, usando a rede fornecida por uma antena na sede da empresa, em Nova Iorque.
"Estava na 6.ª Avenida e ocorreu-me ligar para o meu concorrente na Bell System, o doutor Joel Engel", recordou Martin Cooper, numa entrevista à agência AFP. "Houve silêncio do outro lado da linha. Acho que ele estava a ranger os dentes", contou. Embora haja dados que colocam a origem do telemóvel no início do século, na cabeça e projetos de Nikola Tesla, um dos maiores inventores da História, a ideia de um sistema de telefone móvel começou a ser acarinhada na Bell no fim da II Guerra Mundial, em 1945. No final da década de 60, a empresa fundada por Alexander Bell, apontado como "o pai do telefone "- esse antigo ligado a fios e que hoje quase não se vê em lado nenhum - conseguiram colocar telefones em veículos, em parte por causa da enorme bateria necessária para funcionarem.
A Motorola queria entrar no negócio, antecipando que se estava a desenhar o futuro, e Cooper revelou-se o homem providencial. No final de 1972, o engenheiro, atualmente com 94 anos, decidiu que queria criar um dispositivo que as pessoas pudessem usar em qualquer lado. Reuniu especialistas em semicondutores, transístores, filtros e antenas, que trabalharam durante três meses a todo o vapor. Em abril de 1973, o DynaTac estava pronto e saiu à rua para um primeiro teste. "Esse telefone pesava mais de um quilo e tinha bateria para 25 minutos de conversação. Mas não foi um problema. O telefone era tão pesado que ninguém conseguia segurá-lo tanto tempo", recordou o homem conhecido como "pai do telemóvel".
O sucesso não foi imediato e tardaria uma década a chegar ao mercado o primeiro telefone comercial, o DynaTAC 8000X. Tinha 25 centímetros de comprimento, era estreito e bojudo e pesava quase um quilograma. Custava cerca de quatro mil dólares (aproximadamente 3700 euros). A revolução estava no ar, sem fios. E 40 anos depois, o telefone ganhou esperteza, chama-se "smartphone", e é essencial à vida de milhares de pessoas em todo o Mundo, o último objeto em que se toca antes de dormir, o primeiro ao acordar - nem que seja para ligar ou desligar a função despertar. "O telemóvel tornou-se uma extensão da pessoa, dá para fazer tantas coisas", admitiu Cooper.
"E estamos apenas no início, a começar a entender o que pode fazer. No futuro, esperamos que o telefone móvel revolucione a educação. Certamente revolucionará a área da medicina", antecipa o antigo engenheiro da Motorola. "Sei que parece exagerado, mas em uma, ou duas, gerações vamos vencer doenças" graças aos "smartphones", completou Martin Cooper. Mas, no estádio atual de evolução do ser humano, no presente, o telemóvel apresenta perigos. "Quando vejo alguém a atravessar a rua a olhar para o telefone, sinto-me péssimo. As pessoas não a estão pensar", disse o antigo engenheiro. "Desliguem dos ecrãs", sugere o "pai do telemóvel".
Um apelo paternal que talvez chegue tarde. Segundo um inquérito da Universidade de Jiaotong, na China, 82% dos inquiridos revelaram que olham involuntariamente para o telemóvel com frequência. É a chamada ansiedade do telemóvel, a "inquietação, inquietação" de José Mário Branco, sem o "porquê não sei"; o estudo é claro.
Segundo aquele inquérito, 89,2% dos inquiridos dizem que se sentem inquietos sem o telemóvel. A mesma percentagem, entre os nascidos antes de 1980, daqueles que dizem sentir-se preocupados sem o smartphone por perto, e que aumenta para 90,7% entre os nascidos depois de 1990. Ainda segundo o mesmo trabalho, 64,9% dos inquiridos sentem-se menos ativos e menos focados se não tiverem aquela ligação, sem fios, ao telefone esperto, que até nos faz parecer burros.
Segundo o mesmo estudo, as pessoas recorrem ao telefone para aliviar a tensão e procurar um entretenimento: mas à medida que passamos tempo com os telefones, ficamos mais preocupados, caindo num ciclo vicioso. De acordo com este trabalho, o excesso de dependência dos telefones pode criar problemas psicológicos; dificuldade de concentração, ansiedade e problemas de trabalhar em equipa. Entre as jovens adolescentes, contribui para problemas de autoestima e depressão, de acordo com outros trabalhos científicos.
"Quando surgiu a televisão, as pessoas ficavam hipnotizadas. Mas, de alguma maneira, conseguimos entender que há uma qualidade associada ao ato de ver televisão", observou o "pai do telemóvel", admitindo que os problemas atuais de excesso de ligação ao smartphone não têm rede para o futuro. Segundo Cooper, estamos na fase de olhar os telefones sem pensar, mas isso não vai durar. "Cada geração é mais inteligente do que a anterior. Eles aprenderão a usar o telefone com mais eficiência. Mais cedo, ou mais tarde, os humanos vão descobrir isso", completou o antigo engenheiro da Motorola.
Aos 94 anos, a viver na soalheira Califórnia, no extremo Oeste da Nova Iorque onde deu novos mundos ao Mundo, Martin Cooper tem um iPhone última geração, que usa para ver o email, as fotos, o YouTube e até controlar o aparelho auditivo. Também tem um Apple Watch que regista o batimento cardíaco enquanto faz natação e outras atividades.
A cada nova versão da Apple, o antigo engenheiro troca de telemóvel, que escrutina com olhar de especialista, sempre menino na curiosidade de saber como é o novo Mundo da tecnologia. "Nunca vou aprender a usar um telefone móvel da mesma forma que meus netos e bisnetos", afirma o homem que fica na História como o "pai do telemóvel". Um filho que o mudou. "Quando começamos, sabíamos que um dia todos teriam telemóveis. Estamos quase lá. Há mais assinaturas de telemóvel no mundo do que pessoas. Então, parte do nosso sonho tornou-se realidade", afirmou Cooper.