Testes simples e económicos ajudam a detetar cada vez mais cedo casos de cancro
A UE acaba de anunciar recomendações sobre uma nova abordagem de "rastrear mais e rastrear melhor" para a deteção precoce do cancro.
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"Algumas alterações ao rastreio do cancro são relativamente simples e devem ser económicas e eficazes", afirma Rebecca Fitzgerald, professora de Prevenção do Cancro na Universidade de Cambridge e copresidente do grupo de trabalho SAPEA que apoia o Mecanismo de Aconselhamento Científico da UE - discute os factos comprovados e os benefícios de um melhor rastreio do cancro.
Porque surgiu a necessidade de rever o rastreio do cancro na Europa?
Queríamos ver se podíamos melhorar os programas de rastreio do cancro que temos: mama, colo do útero, e colorretal.
Novas evidências sugerem, por exemplo, que devemos reduzir a idade em que começamos a rastrear o cancro da mama, antecipando para os 45 anos de idade, porque os dados mostram que o cancro da mama agressivo está a aumentar nas mulheres mais jovens.
Estamos também a constatar que um rastreio único não se adequa a todos. Por exemplo, algumas mulheres têm tecido mamário mais denso do que outras, e provavelmente é necessário fazer uma ressonância magnética para essas mulheres, para além da mamografia.
Também verificámos se as provas apoiam novos programas de rastreio que não estejam atualmente a ser feitos.
Que programas de rastreio inteiramente novos recomendou o Mecanismo de Aconselhamento Científico?
O caso do cancro do pulmão foi particularmente interessante. Há sólidas evidências de dois ensaios em grande escala de que se pode utilizar a TAC (tomografia axial computorizada) de baixa radiação para rastrear o cancro do pulmão, agora que há scanners com baixas doses que não são prejudiciais para a saúde. Recomendamos esta abordagem para pessoas fumadoras ou ex-fumadoras. Também apoiámos o rastreio do cancro da próstata e, em países com elevada incidência, o cancro gástrico.
Pode falar-nos de tecnologias emergentes e interessantes que permitam testar o cancro de novas maneiras?
Tem havido uma grande expectativa em torno dos testes ao sangue e testes de exalados pulmonares para detetar o cancro, talvez para detetar múltiplos cancros ao mesmo tempo. A tecnologia está a avançar rapidamente, e as provas ainda estão a ser geradas. É necessária uma reavaliação regular para saber se estes testes são ou não adequados para o rastreio.
Há uma grande esperança de podermos detetar os vestígios de ADN que os cancros lançam no sangue numa fase inicial, recolhendo uma única amostra de sangue de doentes que podem nem sequer ter sintomas. Mas os peritos concordaram que estes métodos não estão prontos para uma implementação [generalizada], apesar de mostrarem um grande potencial para o futuro.
Quais são os benefícios de detetar o cancro mais cedo?
Provas esmagadoras mostram que se o cancro for detetado mais cedo, os tratamentos são muito mais simples. Muitas vezes não é necessário fazer quimioterapia tóxica, podendo apenas remover a lesão (tecido canceroso) com uma pequena operação ou endoscopia. Por conseguinte, a qualidade de vida dos pacientes é muitíssimo melhor quando se está a combater um cancro mais precoce do que quando tratamos cancros avançados. Ao detetar mais cedo, a hipótese de o curar é também muito maior.
Que cancros beneficiariam de novos métodos de rastreio?
Analisámos os factos apurados sobre o rastreio de cancros pancreáticos, ovarianos, esofágicos e gástricos. Alguns destes cancros não são comuns, e podem também ser difíceis de detetar. Os tratamentos a doentes diagnosticados com cancro do pâncreas, por exemplo, têm uma taxa de insucesso muito elevada. Gostaríamos de ter novos métodos de rastreio para esses cancros, mas ainda não há provas suficientes para apoiar esses rastreios.
As alterações recomendadas representam problemas de custos para os Estados-Membros?
Algumas alterações, tais como melhorar os padrões de rastreio colorretal, são relativamente simples de implementar e devem ser económicas e eficazes.
Temos dados sólidos que comprovam que o rastreio do cancro do pulmão terá um grande impacto e reduzirá o custo do tratamento, detetando a doença mais cedo. Sabemos que estes novos programas de rastreio, bem como a expansão do rastreio do cancro da mama, vão requerer mais scanners e infraestruturas sanitárias, que alguns países terão mais facilidade em introduzir do que outros. Ainda assim, o novo rastreio deverá compensar em muito o investimento.
O rastreio do cancro da próstata é mais controverso, uma vez que os resultados do estudo não são consistentes em torno da sua utilização do antígeno específico da próstata (PSA). Trata-se de uma proteína que é frequentemente elevada em homens com cancro da próstata e que é fácil de testar. A recomendação é testar os níveis de PSA no sangue dos homens até aos 70 anos de idade.
Que lacunas de investigação e inovação poderiam ser preenchidas pela Missão da UE contra o Cancro para ajudar no rastreio da doença?
Precisamos de trazer mais tecnologias de deteção precoce e definir biomarcadores passando da investigação para os ensaios clínicos e a implementação. Isto requer testes na população de risco em grandes estudos. Estes cancros com grandes taxas de insucesso, e para os quais não existe rastreio, necessitam particularmente de novas abordagens para grupos de alto risco.
Pode falar-me dos seus próprios interesses de investigação?
Estou particularmente interessada em utilizar tecnologias inovadoras para detetar o cancro mais cedo. Estive envolvida desde o início nesta revisão do rastreio do cancro, onde não nos baseámos apenas num exercício em papel, mas reunimos três oficinas de trabalho de especialistas para abordar questões muito específicas.
A minha própria experiência é no cancro do esófago, que não é um dos cancros mais comuns, mas também não é raro, e tem vindo a aumentar dramaticamente nos últimos 30 anos. Os resultados são realmente maus, a menos que se consiga detetar cedo, quando pode ser fácil de remover por endoscopia em ambiente ambulatório.
Juntamente com a minha equipa desenvolvi o que chamámos teste de Cytosponge (esponja de células), que é na verdade um simples comprimido que se engole preso por um fio e se dilata como uma esponja, que é então puxada para fora ao longo do esófago recolhendo células para um teste de laboratório chamado TFF3 (para sinais de pré-neoplasia). Demonstrámos que este teste pode detetar 10 vezes mais casos de pré-neoplasia (chamado esófago de Barrett) do que a prática atual e estamos prestes a lançar um teste de rastreio no Reino Unido que irá recrutar mais de 120.000 pacientes para ver se conseguimos reduzir a mortalidade do cancro do esófago oferecendo este teste.
PLANO DE LUTA CONTRA O CANCRO
Uma das primeiras atividades do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro e a Missão da UE contra o cancro é melhorar a deteção do cancro através de um melhor rastreio para alguns dos tipos de cancro mais comuns. A 20 de setembro de 2022 a comissão apresentou uma nova abordagem da UE para o rastreio do cancro, com base nos últimos desenvolvimentos e provas científicas disponíveis. Esta abordagem vai ajudar os Estados-Membros a assegurar que 90% da população da UE que se qualifica para o rastreio do cancro da mama, cervical e colorretal seja testada até 2025.
As recomendações do Mecanismo de Aconselhamento Científico (SAM) à Comissão Europeia informaram esta iniciativa política. O aconselhamento científico do SAM é um contributo precioso para a elaboração de políticas. O consórcio SAPEA que é composto por academias europeias, analisou o estado do conhecimento sobre o rastreio do cancro no seu relatório de revisão de provas.
Os principais especialistas em cancro de todo o mundo discutiram os mais recentes progressos científicos e integraram nas suas conclusões extensas revisões da literatura científica e ensaios clínicos.
Informado pela ciência, o Grupo de Conselheiros Científicos Principais publicou as suas recomendações aos decisores políticos da UE no seu parecer científico, em resposta à pergunta sobre como melhorar o rastreio do cancro na Europa.
Em 2020, mais de 1,3 milhões de europeus morreram com cancro. De acordo com as estimativas, um em cada dois cidadãos da UE desenvolverá o cancro durante a sua vida. Se nada mudar, o cancro tornar-se-á a principal causa de morte na UE até 2035. A Missão da UE sobre o Cancro propõe-se a trazer soluções concretas para os desafios do cancro através da investigação e inovação. Siga a hiperligação para a ficha informativa Uma nova abordagem da UE para o rastreio do cancro
A investigação neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Investigação da UE e foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.