Cruzámos a fronteira entre Alentejo e Algarve em busca detesouros fora dos circuitos mais conhecidos. Encontrámos uma mão-cheia de motivos para conhecer de perto o vale do Guadiana.
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PULO DO LOBO
Corte Gafo de Cima, Amendoeira da Serra e depois Monte
de Pias. Um caminho de terra batida, marcado por curvas e contracurvas, leva então à herdade de Pulo Lobo - parte integrante do Parque Natural do Vale do Guadiana.
A partir daqui o percurso pode ser feito de carro, mas a pé tem garantidamente outro encanto. Ladeado de estevas em flor vai descendo até ao rio, onde se vislumbra a maior queda de água do Sul do país. Do miradouro, o cenário ainda se torna mais grandioso: entre penhascos rochosos, a cascata despenha-se a mais de 16 metros sobre o leito do rio. À saída de Pulo do Lobo retoma-se a estrada em direção a um lugarejo que não vem sequer assinalado nos mapas.
MOSTEIRO
Não fosse a recuperação do antigo mosteiro, pouco ou nada se passava nesta localidade onde praticamente não vive ninguém. Maria Antónia orgulha-se de ser a guardiã deste núcleo museológico recém-inaugurado. É ela que, de chave em punho, revela este «novo» segredo. Na porta está o contacto para visitas guiadas com mais tempo (aqui fica: 286610100). Em 2006 o antigo templo, que se encontrava em ruínas, foi alvo de um minucioso trabalho de restauro. Materiais da zona como a pedra, seixos de quartzo e canas serviram para recriar o velho mosteiro na sua traça original. Em busca de trilhos desconhecidos, o itinerário prossegue rumo ao vale do Guadiana.
MOINHO DOS CANAIS
Existem lugares que deveriam permanecer intocados. O Moinho dos Canais, segredo à beira-rio, é um deles. O acesso pode ser feito de duas maneiras: atravessando uma propriedade privada ou pelos trilhos do PR3 - que se inicia em Corte Gafo de Baixo e vai até aos canais de água. Qualquer dos trajetos vale a pena, tanto pela variação de tonalidades da paisagem como pela quantidade de coelhos que saltitam entre a vegetação. Do ponto mais alto da encosta a vista abrange as duas margens e um antigo moinho. Para chegar à água, desce-se ao longo de um trilho íngreme. O esforço é recompensado pelo silêncio, entrecortado pelo cantar dos pássaros.
No regresso à estrada principal, por Corte da Velha, surge
mais um (bom) exemplo de património recuperado.
ERMIDA DE SÃO BARÃO
Localizada numa elevação rochosa, a ermida de São Barão, construída nos finais do século xvii, é um dos sítios mais ermos da serra que lhe empresta o nome. Junto à capela há um parque de merendas - local privilegiado para contemplar a ribeira de Oeiras e os planaltos da cumeada. Para melhor apreciar esta atmosfera bucólica deve fazer-se o percurso pedestre desde Corte da Velha, em direção à ermida. São três horas de caminhada por entre estevas que escondem as túberas, ou trufas brancas, fungo utilizado nas tradicionais migas. No regresso, avista-se um promontório rochoso, coroa-do por uma das mais antigas vilas alentejanas. A vila-museu de passado glorioso fica na margem direita do Guadiana. Os vestígios deixados pelos vários povos são evidentes à medida que se calcorreia as ruas da zona muralhada. Oito núcleos museológicos, a maior parte localizada no centro histórico, são, a par dos monumentos, o seu principal ex-líbris. As escavações arqueológicas, realizadas de forma contínua desde a década de 1980 e conduzidas pelo arqueólogo Cláudio Torres, têm posto a descoberto autênticas pérolas da antiga Mirtilis. Entre os achados mais recentes destaca-
se um mausoléu do século vi. A sul da vila, atravessada pela ribeira de Oeiras, ergue-se um convento com quatrocentos anos de história.
CONVENTO DE SÃO FRANCISCO
As mãos sujas de terra e o cabelo desalinhado jamais deixam adivinhar o percurso de Geraldine Zwanikken - ex-dançarina da Companhia Nacional de Bailado holandesa. Desde há trinta anos, altura em que a sua família adquiriu o convento seiscentista de São Francisco (conventomertola.com), abandonado desde o sécu-lo xix, a vida desta hippie-visionária passou a centrar-se
no desenvolvimento da propriedade. Nasceu um polo cultural com residências para artistas de todo o mundo e galeria de arte. Pode visitar-se o espaço aos domingos, das 10h00 às 18h00, mediante o pagamento de 2,50 euros. Nos quarenta hectares da propriedade cabem também magníficos jardins, hortas ecológicas, unidades de alojamento, espaço de meditação, um centro de observação de aves e um museu de água.
Menos de vinte minutos de carro separam este local daquela
que já foi a maior barragem do interior alentejano.
PRAIA FLUVIAL DA TAPADA GRANDE
A albufeira da Tapada Grande é um verdadeiro oásis no Alentejo. É especialmente procurada durante os meses de verão graças a uma série de condições, naturais e não só: sombras com fartura (bem-vindas nesta zona quente), água de excelente qualidade, espaços relvados, bar com esplanada, competições de canoagem e um anfitea-tro para noites de cinema ao ar livre são alguns dos atrativos. Com a vantagem de estar a dois passos das Minas de São Domingos.
MINAS DE SÃO DOMINGOS
Foram das mais importantes da Península Ibérica, em atividade entre 1857 e 1966, extraindo grandes quantidades de cobre, zinco e chumbo. A exploração estava a cargo da empresa inglesa Mason&Barry, que fez crescer a localidade em redor do complexo mineiro. Ainda hoje se podem ver as casas de taipa, alinhadas em banda, que alojavam as famílias dos mineiros. Atualmente
não existem mais do que ruínas e um conjunto de galerias cercadas de lagoas ácidas. A melhor forma de se conhecer a dimensão deste complexo é simplesmente percorrê-lo a pé. São três quilómetros até chegar às torres. A partir daqui, tem-se uma visão apocalíptica: a terra está coberta de cores que vão do vermelho ao ocre, resultante da ação dos xistos argilosos,
praticamente não existe vegetação e um pouco por todo o lado há vestígios de pontes, edifícios e chaminés que são agora ninho de cegonhas. Um cenário ao qual é impossível ficar indiferente.
Seguindo a linha de comboio desativada, usada para o transporte do minério, a estrada leva-nos até Pomarão.
À entrada do cais do Pomarão, uma grua enferrujada sobre o que resta dos carris simboliza os tempos áureos deste antigo e influente porto fluvial. Daqui partiam os barcos carregados de minério até Vila Real de Santo António, e daí para outros destinos. Esta aldeia, na linha que separa o Alentejo do Algarve, vive essencialmente dos passeios de barco pelo Guadiana. No Café do Cais (cafedocais.com), um novo restaurante com esplanada, o tempo passa-se a mirar as águas tranquilas, onde atracam pequenos veleiros. E a petiscar: pica--pau, ovos com farinheira e vários outros pratinhos são trazidos por Maria Moita, que trocou Lisboa por este paraíso à beira-rio. No regresso tem sempre de se passar por Mértola, para seguir em direção à vila algarvia mais a nordeste.
ALCOUTIM
Do alto do castelo vê-se o aglomerado de casas brancas
voltadas para o rio e, na margem oposta do Guadiana,
a vizinha espanhola Sanlúcar. Nesta pacata vila entre o rio e a serra do Caldeirão descobre-se um outro Algarve. Pelas ruas há lojas que vendem artesanato típico como cestos de vime, mantas de retalhos e bonecas de juta. A doçaria da região ocupa lugar de destaque na banca de Maria Almerinda, mesmo em frente ao cais. Por um euro a fatia, há tarte de amêndoa, bolo de alfarroba e várias outras especialidades feitas pela doceira.
GUERREIROS DO RIO
À saída de Alcoutim, a estrada segue com o rio ao lado.
O hotel Guerreiros do Rio (www.guerreirosdorio.com) fica na localidade à beira-Guadiana que lhe dá nome. Durante os meses de verão, o restaurante Agawos, no último piso, serve especialidades da cozinha algarvia (e não só). Comidas
à parte, importa antes ir direto à esplanada, também no topo do edifício (junto à piscina panorâmica), para aproveitar
os magníficos fins de tarde da serra algarvia, em jeito de ponto final a estes 160 quilómetros de estrada.