A empresa Águas de Barcelos (AdB) publicou na sexta-feira passada, aqui no JN, ao abrigo do Direito de Resposta, um texto onde pretende pôr em causa a minha crónica de 24 de setembro, sobre a decisão de um "tribunal" arbitral de Lisboa que tinha condenado, em janeiro deste ano, o Município de Barcelos a pagar-lhe mais de 170 milhões de euros como compensação por os habitantes do concelho terem cometido o despautério de não consumirem os irrealistas volumes de água que essa empresa e o município haviam estabelecido em 2004.
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O Direito de Resposta da AdB mais não é do que uma tentativa de tapar o sol com a peneira, procurando desviar as atenções do essencial (uma indemnização superior a 170 milhões de euros sem convincente fundamentação jurídica) para o acessório, ou seja, para aquilo que não constituía o cerne da minha crónica. A AdB diz, por exemplo, que os honorários dos senhores "juízes" arbitrais "não totalizaram o valor indicado" superior a 500 mil euros. Não, de facto o valor dos honorários foi "apenas" de 474 246,00 euros a que acresceu o IVA à taxa de 23%, ou seja, totalizaram na verdade um montante de 583 322,58 euros que as partes tiveram de pagar.
A empresa diz ainda que "não cobra qualquer aluguer de contadores" mas sim uma "tarifa de disponibilidade". Aceito. Não sei se o investimento da AdB foi muito grande como diz. O que sei é que uma parte significativa da rede de saneamento não funciona devido à não existência das respetivas estações de tratamento (ETAR) que estão previstas no plano de investimentos mas que não foram executadas.
Mas onde a posição da Águas de Barcelos se torna mais insustentável é ao tentar justificar um tarifário totalmente desfasado da realidade com base no qual obteve uma indemnização superior a 170 milhões. Diz a empresa no seu texto de resposta que o consumo de água por habitante foi fixado, em 2004, pela Câmara de Barcelos, tendo, alegadamente, em conta o histórico de consumos do concelho. Mas que histórico é esse que permitiu previsões que nunca se aproximaram da realidade e que em 2008 previam consumos de água quase 60% superiores aos que na realidade se verificaram? Quem fez os estudos que serviram de base a essas previsões completamente loucas? Ou se tratou de um erro grosseiro ou de uma alteração superveniente das circunstâncias ou então de uma moscambilha semelhante a muitas outras celebradas entre certos políticos e certos empresários à custa do erário público.
De qualquer forma, um tribunal digno desse nome, ao apreciar esse contrato, teria de aplicar, pelo menos, o regime do erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio (artigo 252.0º do Código Civil) ou então determinar a sua resolução ou a sua modificação segundo juízos de equidade conforme estatui o artigo 437.0º do mesmo código. Condenar uma parte a pagar à outra, integralmente, durante 30 anos, a diferença entre os consumos realmente verificados e os consumos errados que foram levianamente previstos não é um ato de justiça, mas sim um diktat totalmente à margem do Direito. Só assim, ou então com tarifários como os de Paços de Ferreira, é que se compreendem os lucros usurários de certas empresas.
Convém frisar, porém, que as projeções de consumos que integram o célebre "Caso Base" foram efetuadas depois da adjudicação provisória e que há uma ata em que as partes aceitam que esse "Caso Base" seja elaborado pela parte privada. De qualquer forma aquelas projeções não tiveram por base os consumos de água por habitante indicados pelo Município de Barcelos, pois esses consumos eram, à data em que foi feita a concessão, semelhantes aos que ainda hoje se verificam. Se as projeções tivessem por base os consumos reais nunca se teria verificado o erro colossal que serviu de pretexto para uma indemnização não menos colossal.
Por fim, espero que a AdB transcreva publicamente a norma do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) que impede o seu bastonário de comentar um processo findo ou uma sentença transitada em julgado. Eu sei que as arbitragens, sobretudo em certos negócios público-privados, só funcionam bem em segredo ou mesmo na clandestinidade. Mas não contem com o silêncio da Ordem dos Advogados.