É oficial. O NOS Primavera Sound desta sexta-feira bateu todos os recordes de lotação do festival. Ao todo, o Parque da Cidade recebeu 28 mil pessoas no segundo dia do certame. Hoje, sábado, há mais 12 horas de música e 21 bandas.
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03h30 - Quem ganhou o duelo dos três?
Ariel Pink, Run The Jewels ou Jungle: qual foi o melhor concerto do confronto da 1h40 do 2.º dia. Anthony teve direito a 100 minutos do Primavera inteiro só para ele.
É uma escolha tão controversa como a de pôr My Bloody Valentine a encerrar o festival do ano passado (foi delicioso o apocalipse e o gesto retorcidamente romântico, mas resultou em debandada para a maioria): pôr 1h40 do festival exclusiva para um artista, um túnel de 100 minutos em que todos os palcos se calaram e Anthony entrou de branco e de túnica como a grande esfinge gorda de Sá-Carneiro e deu o seu recital de vida em que revê a carreira em formato lírico com uma orquestra de 40 músicos. Foi um momento de requinte rendilhado e foi bonito, mas durante aquela 1h40 ou se ouvia aquilo ou não se ouvia nada.
Esta decisão teve uma consequência: muitos, e não eram só os espanhóis, ficaram ali durante boa parte do tempo esfaimados e inquietos porque os concertos seguintes começariam todos à mesma hora. Três: Ariel Pink, Run The Jewels e Jungle. E assim ao silêncio de renda de Anthony e aos fantasmas que ele via no horizonte quando se ia deitar ("Hope there"s someone" foi um pico emocional) juntou-se na noite um outro som, sobretudo nas franjas e em todo o perímetro dos bares: um shhh que às vezes se ateava e corria a encosta a cercar o público que insistia em prestar atenção. Também isso teve o seu requinte.
O que se seguiu nas horas seguintes foi exultante e confuso, com amigos perdidos pelos três palcos e concertos cortados às fatias. E depois ainda foi preciso chegar vivo a Movement às 3 da manhã (Movement é uma nova R&B e IDM que emite um brilho imenso de escuridão e de bom gosto, mas Lewis Wade, o vocalista, é estranhíssimo, parece um barbeiro mexicano e veste uma túnica com uma capa preta que estreme quando ele levanta os braços nos crescendos), exatamente dez horas depois de termos visto o primeiro concerto e de nos termos apaixonado pelos pés a dançar de Yasmine (Yasmine dança como uma serpente encantada, ainda hoje os que a viram continuam a falar nisso) - JMG
02h50 - Selvajaria no Palco Super Bock
Estava guardada uma surpresa para as duas horas da madrugada. "Jungle" foi uma eletrónica para recordar. No fim do concerto ouviu-se "muito bom" uma boa meia dúzia de vezes desde as primeiras filas até às traseiras da cabine de som. A eletrónica contagiou desde cedo o palco Super Bock com um dos melhores concertos dos dois dias de festival. Jungle é um nome a decorar. - DM
01h10 - Parem o rock, entre a orquestra de Antony Hegarty
Momento de magia no Primavera Sound. Anthony and the Johnsons, com Antony Hegarty à cabeça, ousaram fazer uma pausa nos sucessivos concertos de Rock e apostaram num formato de orquestra com 40 elementos que deixou o público letárgico, para o bem e para o mal.
As primeiras filas do palco NOS assistiram a um episódio quimérico. Um espetáculo teatral de grande nível, porém minimalista para um festival. Despertaram emoções em músicas como "Hope There"s Someone", e pouco mais.
A carregada dramaturgia de "I Am Bird Now" e "The Crying Light" impediram os milhares de espectadores de abandonarem o palco. Esta tónica combinou-se, de quando em vez, com jazz e soul. Um total desfasamento do contexto festivaleiro, mas ainda assim gracioso o suficiente para fazer uma pausa na eletricidade herdada pelos The Replacements no mesmo palco, minutos antes.
Nota positiva, ainda assim, mas fica a pena pela hora do concerto eventualmente pouco adequada e as críticas ao insuficiente volume de som para tanta gente a assistir. - DM
00h43 - Murdoch destacado em Belle and Sebastian
Os escoceses Belle and Sebastian passariam algo despercebidos no Primavera Sound se não fosse a presença de Stuart Murdoch. O "frontman" da banda destaca-se nas teclas, nos rudes agudos que consegue atingir sem esforço e nos elogios a Portugal.
"Nobody"s Empire" é disso exemplo. A facilidade com que o vocalista atinge as notas mais difíceis ao mesmo tempo que se diverte em palco e elogia o Porto é digna de registo e não passou despercebida à maioria dos que assistiram ao concerto no palco Super Bock.
Belle and Sebastian proporcionaram um bom espetáculo. A tarefa não era fácil à partida. Uma sobrenatural Patti Smith elevara os padrões e o Folk/Pop de Belle and Sebastian corria sérios riscos de esmorecer o ambiente. Não aconteceu. O escoceses não brilharam mas cumpriram. - DM
23h30 - Spiritualized: o céu, provavelmente
Há quase duas décadas que os Spiritualized emitem música para içar cabeças no firmamento. Jason Pierce, o piloto daquela nave musical, apareceu no Porto com a silhueta habitual: estático, enlaçado na guitarra, a desenhar curvas de som, amiúde em diálogos com Tony Doggen, o outro guitarrista.
Abriram o concerto com uma canção que deverá integrar o próximo álbum. Não estacionaram em pausas, as canções emaranhavam-se umas nas outras - quando uma parecia apagar-se, outra se acendia do mesmo fogo.
A música dos Spiritualized quando resulta - e isso acontece frequentemente - promove a viagem cerebral e a sensação de planar. Assim aconteceu enquanto a música ondulava, continuamente, em crescendos e recuos, vozes gospel na redenção, uma tempestade de electricidade a atordoar no final. "Lord let it rain on me", "Electricity" ou "Shine a light" prepararam os terráqueos para o melhor momento do concerto: uma versão de "Electric mainline" esticada a quase 20 minutos de centrifugação cornucopial a atordoar uns três mil à frente.
"Eu tenho um furacão nas minhas veias e quero senti-lo para sempre", cantou Pierce em "Soul on fire". Aconteceram, sim, momentos menos brilhantes como o início da "Oh Baby" ou a "Rated X". Mas eram esquecidos quando a banda explodia na sua dinamite celestial, um estrondo de coisas que brilham. - CP
23h00 - Mark Kozelek cravado no coração
Apareceu uma explosão de luz que queima como fogo na noite da tenda Pitchfork: as canções confessionais do assombro dos Sun Kil Moon podem ter dado o melhor concerto do NOS Primavera Sound 2015.
Todos eles vêm cá falar-nos do amor e do seu siamês, o ódio, e do que é que isso nos faz enquanto vivemos. Mas Mark Kozelek é diferente dos outros na forma como nos devolve o mundo enquanto está a cantar: relata-se a si mesmo como literatura, faz como Karl Ove Knausgard, incorpora o mundo e tudo o que lhe acontece a si e é específico, fala do pai, da mãe, da avó, das preocupações da morte, dos tios, dos primos pequeninos de segundo grau e das tragédias sem sentido das famílias, de Carissa, Micheline, do Ben Friend e de parentes que morrem misteriosamente a arder.
É um performer diferente Kozelek, o criador dos Red House Painters de 1989 a 2001 e dos Sun Kil Moon de agora, agora a voz ocupa-lhe o corpo todo, ele parece maior (a cara dele parece a do Channing Tatum no "Magic Mike" do Soderbergh) e movimenta-se pelo palco a dominar o palco todo, o peito alto, ele está todo vestido de preto e canta as entranhas e a intensidade enquanto se mostra ali a perseguir os dragões da sua escuridão. Foi o concerto mais intenso que vi até às 23 horas do segundo dia do NOS Primavera Sound 2015.
Teve um bonús (além do momento Vasco, o guitarrista dos Blind Zero, que tocou guitarra com e foi um momento que pareceu o que foi: ele chamou Yasmine Hamdan ao palco (andou-nos dia todo a ver concertos e a ver-nos, a esguia libanesa Yasmin, ela e a banda atrás) para se atirar a ela num dueto romântico. Era o "I got you babe", dueto original de Sony and Cher que fala das asperezas e das rochas do casamento. Yasmine não sabia a letra, miou, tentou fugir por onde pôde, parecia um cordeirinho que balia (porque não sabe falar inglês), mas Mark continuou a rondá-la, a dominar o palco todo como um pombo negro de peito levantado, e manteve ali Yasmine a miar até ao fim e todos aplaudimos e alguns de nós gritamos entusiasticamente o nome dela.
No fim, Mark Kozelek disse que nós, o Porto, somos o sítio favorito dele do mundo. Não são assim muitos os concertos onde possamos chorar e escapar à vergonha de termos chorado. - JMG
22h45 - The Replacements enérgicos como poucos
Se o Primavera Sound fosse um festival de eletrónica, o concerto dos "The Replacement" ganhava o prémio dos momentos com mais batidas por minuto.
Considerados por muitos os pioneiros do rock alternativo, fizeram jus ao título e presentearam a grande massa humana com uma "setlist" enérgica, raras vezes intermediada com algo mais calmo.
Nada de especial face ao estilo dos norte-americanos, não fosse aquele o concerto mais longo da noite, de acordo com o programa. Aquela "Masterclass" do Rock clássico incluiu "Takin a Ride", "Tommy Gets His Tonsils Out" ou "Waitress In The Sky", que não deixavam os pés assentes no chão foi sempre difícil não ser contagiado pela energia - DM
20h51 - Fica-te bem o palco, Patti!
Que Patti Smith é um prodígio do rock já se sabia, mas a norte-americana fez questão de o confirmar, esta sexta-feira, na primeira vez que atuou em registo original no Porto.
O palco dá-lhe virtude e extrai dos seus 68 anos o punk rock em estado do puro. Do género que vibra, berra, bate palmas, dança, e cospe para o chão enquanto os cabelos lhe invadem o rosto.
Mas comece-se pelo fim. Patti deixou o Primavera com "People Have The Power". Repetiu a mensagem vezes sem conta. Se o povo tem o poder, entregou-o deliberadamente à poetisa punk que deixou o palco com uma gigantesca salva de palmas.
Antes, cantou-se em memória dos ícones de Patti nos últimos 40 anos. "Break itu p", dedicada a Jim Morrison, ou "Elegie", em nome de Jimi Hendrix, foram exmplos. No caso de "Elegie", Patti dedicou-a a todos aqueles que foram amados e morreram: "Esta canção não é só para o Jimi, é também para todas as pessoas que amamos e perdemos". O público entrou em delírio.
Os 40 anos do álbum "Horses" estavam a ser celebrados num concerto perfeito onde a palavra Porto saiu da boca da norte-americana um punhado de vezes. Já tinha havido "Birdland", "Free Money" e "Kimberly". Todos cantavam em uníssono. O palco NOS estava cheio. Entoava "Gloria", simbólica da vibração que Patti é capaz de transmitir.
Ela levantava o punho fechado, o público também. Ela saltava, eles idem. Ali, ninguém suspeitava que as gerações interlocutoras eram tão distanciadas que quando Horses foi editado a maioria dos presentes ainda nem tinha nascido. Patti conseguiu o feito. Está como o vinho do Porto, está em casa, e manifestou vontade de voltar - DM
20h01 - Yasmine Hamdan dá concerto mais sexy do Primavera
Apaixonamo-nos imediatamente por ela e de uma forma carnal que pelo menos por agora parece para a vida: chama-se Yasmine Hamdan, é libanesa e dança como uma cobra trip hop. Hot hot hot.
Inaugurou o Palco ATP e foi a descoberta do festival até agora (o segundo dia é uma perigosa maratona cheia de "mexican standoffs" e ainda falta muita coisa mas Yasmine já é um pico do NOS Primavera 2015).
Ela está em palco com os pés nus e desliza com unhas pintadas de vermelho Ferrari, esguia nos skinny jeans e num top branco com casaco tropa, move-se langorosa mas ao mesmo tempo tímida, toda a ondear com os quadris à frente e o cabelo preto de Beirute a voar no vento como nos videoclips. A música dela e do álbum "Ya Nass" tem pequenas épicas que vão em crescendo na guitarra e nos beats e depois explodem graciosamente a estilhaçar a eletrónica.
Às vezes parece que estamos numa espécie de pradaria benigna de Lynch, com acordes assombrados de guitarra ou num campo retro futurista em que a arábia resvala pelo ocidente dentro e nos deixa num terreno novo, fundido e vibrante.
As canções dela, que não entendemos porque não sabemos nada da língua em que ela o diz, falam de amor e lamento e para ela também serão complicadas as glórias do amor e da surra porque elas são universais. São iguais no Golfo, onde ela nasceu, em Paris onde ela vive com Elia Suleiman (Suleiman é o cineasta que põe balões a perfurar o muro concreto entre israelitas e palestinianos), ou no Porto, onde ela está agora com o sol a bater cheio de brandura na pradaria ATP.
A plateia está cheia pela metade (há muito mais gente a ver espraiada a Banda do Mar e a ignorar que está a perder o concerto mais sexy do Primavera até agora), mas todos os que lá estiveram e viram Yasmine souberam que só os amantes sobrevivem no fim do mundo - JMG
19h30 - Giant Sand e Viet Cong: Contemplação e selvajaria
Country noir, subtilezas, contemplação e uma música que parece deslizar no cérebro: eis um punhado de atributos que sobressaíram no concerto dos Giant Sand. Howe Gelb, o estratega da formação, aproveitou o regresso a Portugal para apresentar o material de "Heartbreak Pass", o novo disco parido há poucas semanas. Rodeou-se de gente competente, com particular destaque para a brilhante Maggie Bjorkland, na pedal-steel guitar, e a estupenda voz de Lonna Beth Kelley.
Debaixo de aplausos, despediram-se com "Tumble and tear", uma canção com 30 anos, dos primórdios da banda.
Anda por aí um burburinho em redor de uma banda nova: os Viet Cong. São canadianos, diz-se que laboram "art rock", e subiram ao palco ATP, num dos cantos do recinto, precisamente na mesma altura em que Patti Smith concentrava as atenções noutras paragens. De maneira que os Viet Cong tocaram para uns escassos mil interessados naquilo que o rock poderá oferecer de novo em 2015.
É uma massa sonora tremenda, um rock cheio de diagonais, paragens imprevistas, mudanças repentinas e amiúde contaminadas por detalhes eletrónicos. Houve canções que se estenderam num crescendo, com tensão a agigantar-se, até explodirem numa selvajaria irresistível. Ainda só têm um disco - e tocaram-no cá praticamente todo - mas sente-se que ainda vão ser enormes por cá. - CP
18h17 - Que beleza, Banda do Mar
Está dado o pontapé de saída do segundo dia do Primavera Sound. E que pontapé, luso-brasileiro, da autoria dos Banda do Mar. O quinteto pop-rock encantou um público pouco recomposto das fortes emoções de ontem de Caribou, mas teve muitos fãs a ecoarem as músicas de cor.
Em 45 minutos e doze canções, Banda do Mar apresentou um repertório versátil que foi desde o rock de "Cidade Nova", com que abriram o concerto, até à balada "Janta". Pelo meio, a audiência cantou de cor "Hey Nana", o que mostra que a simbiose entre Portugal e Brasil resulta bem numa tarde solarenga, algo ventosa, mas confortável.
O ambiente foi muitas vezes elogiado por Marcelo Camelo que chegou a invejar o público por estar deitado na relva, ao sol, de cerveja na mão e a ouvir boa música. O concerto fechou com o palco NOS bem composto a cantar sozinho "Dia Clarear", um dos melhores temas do conjunto, perante as palmas de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães, cuja bela voz também fez sentir. Um bom início do segundo dia. Valeu, Banda do Mar. - DM