Telemóveis nas escolas: "Queremos que os alunos sejam livres e não dependentes de um aparelhinho"
O Agrupamento de Escolas Soares dos Reis, em Vila Nova de Gaia, prepara-se para seguir o exemplo de outras instituições de ensino e proibir o uso dos telemóveis na sala de aula e nos recreios. A decisão foi tomada em agosto e vai abranger cerca de 1000 alunos do 2.º e 3.º ciclos.
Corpo do artigo
O toque agudo da campainha é abafado, de forma quase instantânea, pelo som grave das cadeiras a serem arrastadas na sala de aula. Lá fora, o sol escondido entre as nuvens espreita à hora do intervalo, enchendo o recreio da Escola Básica Soares dos Reis, em Vila Nova de Gaia, com centenas de alunos do 5.º ao 9.º anos. Enquanto um grupo de meninas joga à macaca, há crianças a brincar às apanhadas e o campo de jogos compõe-se com miúdos a correr atrás de uma bola. Sentados em frente a uma das salas, três rapazes estão de olhos colocados no ecrã de um telemóvel.
Apesar de a proibição para o uso de smartphones ainda não estar em vigor na escola, uma vez que está dependente da reunião do conselho geral que deverá ocorrer este mês, quase todos os alunos já sabem que, em breve, o aparelho vai ter de ficar na mochila. “Eu nem mexo muito, normalmente só vou ao telemóvel para ver se alguém me ligou. Nos intervalos jogo à bola, corro ou converso com os meus colegas”, conta Eduardo Miranda.
Com 11 anos, o jovem gaiense tem telemóvel desde os nove mas “não liga muito”. Até acha que as redes sociais são uma “perda de tempo”. Já Débora Rocha, colega do 6.º ano, tem telemóvel desde o início da Escola Primária e gosta de navegar pelo TikTok, Instagram ou YouTube. Mas só quando não tem “outras ocupações”. “Eu acho que vai ser bom porque vai fazer com que nós socializemos e brinquemos mais”, considera.
Dependência associada a uma droga
Foi a pensar na “saúde dos alunos” que o Agrupamento de Escolas Soares dos Reis decidiu avançar, durante a preparação do ano letivo, em agosto, com a medida que continua a dividir opiniões dentro e fora da comunidade escolar. No entanto, a diretora Manuela Machado garante que em Gaia a decisão foi unânime entre pais e docentes. “Há estudos que comparam a utilização do smartphone a uma droga. Esta dependência tem-nos causado algum desconforto. Nota-se que, na sala de aula, eles estão irrequietos, não estão tranquilos”, justifica.
Segundo a diretora, além da perturbação causada durante as aulas, há muitas crianças que durante o recreio “estão no telemóvel e não socializam com os colegas”. “O que queremos mesmo é que os nossos alunos sejam livres e que não estejam dependentes de um aparelhinho”.
Na Soares dos Reis, a medida não será apenas até ao 6.º ano, como recomenda o Governo, mas sim para todos os cerca de mil alunos do 2.º e 3.º ciclos. A escola vai sensibilizar pais e alunos para deixarem o telemóvel em casa, mas caso não o façam, o aparelho terá que ficar na mochila. “Muitos pais querem que o filho traga o telefone por uma questão de segurança, o que entendemos perfeitamente. Nesse caso, o telemóvel deve ficar na mochila”, explica a docente.
Para Fernando Ferreira, professor de Educação Física, proibir o uso do smartphone na escola pode ajudar a combater o bullying e a melhorar a interação entre as crianças. “De ano para ano, nota-se claramente uma aptidão física mais débil e isso está muito associado à utilização abusiva do telemóvel”, aponta.
No entanto, a medida causa algum descontentamento nos alunos mais velhos. “Eu acho horrível, não deveriam proibir. Os alunos deveriam continuar a usar os telemóveis à vontade”, considera Lara Andrade, de 13 anos. Já Afonso Mendes, colega de turma do 8.º ano, também vê a proibição como “exagerada”, apesar de reconhecer que pode fomentar recreios mais dinâmicos, “como era antes”.
Oliveira do Hospital satisfeita com a decisão
Enquanto a escola de Gaia ultima o seu plano de ação, o Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital (AEHO) começa a tirar as primeiras ilações da medida que arrancou no início do ano letivo. Desde setembro que os mil alunos do 1.º e 2.º ciclos não levam smartphones para a escola e, apesar de infrações pontuais, a “experiência está a ser muito positiva”.
Os recreios estão mais barulhentos e há mais crianças a brincar. “Também apetrechámos os espaços de convívio com mais atividade e jogos. De facto, notamos que tem estado a surtir efeito”, nota Sandra Fidalgo, afiançando que há sinais de melhorias na atenção e concentração dos alunos na sala de aula.
A adjunta da direção do AEHO explica ao JN que o aparelho “era um fator de grande instabilidade no decorrer das atividades letivas”, responsável pela maioria dos processos disciplinares dos anos anteriores. O agrupamento quis acabar com a captação de vídeos e fotografias indevidos, a partilha de nudes e as agressões verbais dentro da escola.
O objetivo é, no futuro, alargar a medida ao 3.º ciclo. De acordo com um inquérito nacional da Federação Nacional de Educação e da Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho realizado na última semana de setembro, uma em cada quatro escolas já limitou o uso de smartphones.