Notavelmente mais entusiasmados e entusiasmantes do que em aparições anteriores, os cabeças de cartaz da segunda noite de Nos Alive sequestraram o público de Algés.
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Arctic Monkeys apanhados em flagrante. A banda britânica tem mesmo um caso de amor com Portugal e parece que a relação está para durar. Está feito o título e o lead da notícia. E agora desenvolvamos: a última vez que a banda britânica cá tinha estado foi no ano passado, no festival Kalorama, em Lisboa. E não é que, nem onze meses depois, regressam ao país e à cidade, voltando a provar que nem tudo o que é em demasia enjoa? Ao contrário do que aconteceu no concerto que deram há duas semanas no Festival de Glastonbury - descrito pela imprensa internacional como "chato" e "aborrecido" -, os macacos árticos de Sheffield (Inglaterra) não pecaram por falta de vivacidade neste que foi o décimo espetáculo da banda em Portugal, desta vez no Passeio Marítimo de Algés, na segunda noite ventosa do Nos Alive. Nem por falta de vivacidade nem por coisa nenhuma. Não pecaram, ponto.
Como é seu apanágio, não precisaram de falar muito – o vocalista disse só alguns “thank yous” –, porque quem falou mais alto foi a música. O resto aconteceu. É esse o trunfo dos Arctic Monkeys, que não são apoteóticos, não fazem piruetas nem malabarismos. Não dão grandes saltos, não têm grandes folclores, não usam roupas exuberantes, nem têm fogo a sair do chão. Até porque – recordemos aqui a frase de Salvador Sobral na Eurovisão de 2017 – “music is about feeling, it’s not about fireworks” (música é sobre sentimento, não é sobre fogo de artifício). E sentimento não lhes faltou.
Embora eles sejam quatro (um vocalista, um guitarrista, um baixista e um baterista), o espetáculo foi de “one man show”. Alex Turner, outrora um jovem adulto com cara de adolescente a aprender a gerir o sucesso nos inícios dos anos 2000, é agora um homem feito com 37 anos. De coração aberto e vocalmente dedicado, embora nunca demasiado efusivo (como sempre), apareceu hoje em modo galã, mais Elvis Presley do que é costume, com um blazer largo por cima de uma camisa branca, calças de ganga, sapatos pretos e uma linguagem corporal que muitas vezes fez lembrar o rei do Rock and Roll. Principalmente quando passeava os dedos das mãos pelos cabelos escuros, penteando-os para trás, e quando abria os braços de forma demorada e teatral como que a posar para os admiradores. Mestre da performance suave, foi maestro sem batuta e político em campanha eleitoral, agarrando as duas mãos uma à outra e sacudindo-as juntas, ora para a esquerda ora para a direita, como que agradecendo aos seus eleitores, numa noite de zero abstenção.
No público, tantos eram os que queriam um pedacinho de Turner, recebido por mil gritos de saudades quando as primeiras baterias de “Sculptures of Anything Goes” (do sétimo álbum, “The Car”, lançado em outubro) quebraram o silêncio no recinto, onde uma plateia em delírio levou a banda aos ombros até ao fim. E o fim demorou a chegar: foram duas horas de concerto em velocidade cruzeiro, num barco que revisitou um cancioneiro rico e em mutação. Depois do tema inaugural, seguiram-se "Brianstorm" e "Snap Out of It", que garantiu o primeiro momento de celebração da noite. "Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair", "Crying Lightning" e "The View From the Afternoon" vieram depois, seguindo até "Why'd You Only Call Me When You're High?” e "Arabella", num balanço perfeito entre temas antigos e recentes.
A plateia foi o coro perfeito e quem já vestiu a camisola da banda mais vezes ia comparando o espetáculo com anteriores, tirando o chapéu àquele que muitos consideraram o "melhor" concerto da banda que já viram. "Fluorescent Adolescent”, sem surpresas, arrebatou os corações jovens e garantiu um momento de libertação total, que dificultou a vista para o palco, tantas eram as pessoas em cima dos ombros umas das outras. "Do I Wannna Know" pôs milhares a gritar "Crawling Back to You" ("Rastejando de volta para ti", em tradução livre). E, já completamente de rastos no chão pelo nome maior da noite (e um dos maiores do festival), o público não esmoreceu e manteve-se visceral em "I Wanna be Yours", "I Bet You Look Good on the Dancefloor" e "R U Mine?", ao cair do pano. Mas Alex Turner nem precisava de ter perguntado. Claro que o público é seu.