Governo concretiza unidades de saúde familiar geridas por setores privado e social
O Governo vai avançar com 20 unidades de saúde familiar geridas pelo setor social e privado, revelou, esta quarta-feira, a ministra da Saúde, durante o balanço dos primeiros três meses do plano de emergência no SNS. O modelo garante outro tipo de incentivos aos profissionais, desde logo uma remuneração diferente.
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A ministra da Saúde, Ana Paula Martins revelou, esta quarta-feira, que serão instituidas as novas unidades de saúde familiar (USF) modelo C nos setores privado e social “que sempre tiveram previstas e continuam previstas nos estatutos do SNS”, mas nunca tinham avançado. Nesta “fase experimental” deverão abrir portas 20 USF deste modelo, das quais dez na região de Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve, identificadas como as zonas do país mais carenciadas em termos de médicos de famílias, com “indicadores ainda mais exigentes”, como o tempo de resposta que é necessário dar aos utentes, explicou. A governante falava aos jornalistas em conferência de imprensa sobre o balanço dos primeiros três meses do plano de emergência e transformação na Saúde.
A intenção de criar as novas unidades - enquadradas no sistema de cuidados de saúde primários - já tinha sido anunciada em maio, na altura em que o Executivo apresentou o plano de emergência para a saúde, mas o decreto-lei que as formaliza será aprovado na quinta-feira, em Conselho de Ministros. A regulamentação do modelo também irá depender de outras portarias e despachos. Segundo Ana Paula Martins, duas destas unidades estarão já acordadas com municípios e as vagas não irão depender das estipuladas nos concursos nacionais. Para a ministra, enquanto todo o país não estiver coberto de médicos de família, esta medida é uma possibilidade para os profissionais se organizarem e poderem constituir uma resposta desta natureza.
Sobre o risco de o novo modelo desviar meios do setor público, a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé, salientou que o objetivo não é “esvaziar o SNS” nem criar “competição” entre os profissionais que nos diferentes modelos de resposta, pelo que haverá restrições para “limitar uma certa concorrência”. Por isso, serão pensadas regras para impedir a transição de médicos da ala familiar em funções em centros de saúde ou USF modelo B, isto é, com vínculo laboral com o SNS. Mas a intenção é captar "recém-especialistas". Cristina Vaz Tomé sublinhou ainda que o objetivo é, até ao final deste ano, garantir que 200 mil portugueses passem a ter médico de família, e nesse sentido a limpeza das listas de utentes está a decorrer.
Ana Paula Martins salvaguardou que o modelo C é uma medida "complementar" que não colocará em causa o alargamento do modelo B, cujas melhorias estão, inclusive, a ser negociadas com os sidicatos do setor. A governante reconhece que as unidades que funcionam atualmente nos centros de saúde têm-se revelado muito promissoras em termos de indicadores” e o modelo permite um trabalho em equipa que é apreciado pelos próprios profissionais.
A ministra da Saúde esclareceu que a remuneração neste novo modelo "será mais interessante" por estar associada a incentivos de cobertura, isto é, os profissionais serão responsáveis por “listas de utentes maiores”. Mas também porque se deve adequar ao custo de vida "muito elevado" daquelas regiões para que os profissionais possam concorrer às USF modelo C.
Urgências obstétricas metropolitanas
Ana Paula Martins garantiu ainda que serão adotadas várias medidas na área da obstetrícia nos próximos dois meses, algumas até final do ano e outras no primeiro trimestre de 2025. Nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Península de Setúbal, será encontrada uma forma para que os recursos das urgências nestas áreas se organizem em urgências metropolitanas, revelou, embora não haja uma data definida para serem implementadas.
As Unidades Locais de Saúde (ULS) já receberam os reajustamentos que é necessários do “número de obstetras por equipa em função do número de partos” para garantir o funcionamento das urgências. Outras das medidas em curso é a requalificação dos blocos de parto - cujo projeto foi criado pelo anterior Governo e Direção-Executiva do SNS. A tutela quer ainda garantir a possibilidade das grávidas falarem diretamente ao telemóvel com um enfermeiro especialista em obstetrícia do hospital onde são seguidas. Uma espécie de "segunda triagem" das utentes para despistar casos não urgentes das urgências, explicou Ana Paula Martins.
A governante deixou claro que não ficará à espera "de mais um relatório" para avançar com medidas nesta área. "Têm de ser avaliadas, podem até ter de ser corrigidas, mas não vamos deixar de as tomar", defendeu.
Aumento do pagamento das ecografias
Esta quarta-feira também foi assinado um despacho em que é atualizado o valor pago pelas ecografias obstétricas convencionadas com o privado para que as grávidas tenham uma solução além do setor público. A medida obriga a que todos estes exames sejam realizados por um médico com competência em ecografia obstétrica diferenciada.
A ministra explicou que os valores atuais "muito baixos estavam a deixar de ter convenções com o SNS”, e, na prática, “já não estava a ser possível" encaminhar as utentes para um exame que é essencial nos primeiros três meses da gravidez. Recorde-se, no entanto, que as ecografias contratadas tinham sido atualizadas recentemente pelo Executivo anterior.
Os aumentos dos pagamentos varia consoante o trimestre em que a ecografia é realizada, mas no geral rondam entre os 70 euros e os 120 euros. A subida será assim na ordem dos 50 euros cada. Ana Paula Martins estimou que a medida terá um custo de anual de 3,6 milhões de euros. As grávidas, enquanto utentes do SNS, continuam isentas do pagamento destes exames.
Das 15 medidas urgentes para a Saúde, oito já foram totalmente realizadas, duas das quais “concluídas antes do prazo previsto”, e seis continuam em curso, revelou a ministra da Saúde. As restantes seis estão em curso e uma não foi possível implementar. “Isto é apenas o início da transformação que é, como todos os portugueses ouvem e sentem lá em casa, necessária”, garantiu.
Mais de 25 mil cirurgias
O Governo não conseguiu resolver o estado em que o SNS se encontrava no início do verão em três meses, mas “nunca ninguém prometeu isso”, salvaguardou a ministra da Saúde, recordando que seria necessário tempo para realizar esta transformação na saúde, tal como o primeiro-ministro referiu na apresentação das medidas, em maio.
Entre as medidas que obtiveram “resultados tangíveis”, Ana Paula Martins começa por revelar que através do "OncoStop2024", o regime de incentivos temporário criado para dar resposta aos doentes oncológicos que aguardavam cirurgia além do tempo máximo recomendado, foram realizadas 25 800 cirurgias entre 1 de maio e 30 de agosto. Deixou, assim, de haver doentes com cancro à espera de cirurgia acima do tempo aceitável. O programa esteve em vigor até ao último dia de agosto e não será prolongado. As maiores carências faziam-se sentir na região de Lisboa e Vale do Tejo.
Quanto ao encaminhamento de grávidas, a linha de atendimento direto SNS Grávida, criada para facilitar a resposta à procura de urgências de ginecologia/obstetrícia, área que têm sofrido grandes constrangimentos durante o verão, atendeu, entre junho e o final de agosto, 25 718 grávidas, das quais quase 18 mil foram encaminhadas para um serviço de emergência.
Fecho das urgências “não pode acontecer”
A governante reconheceu que apesar de a medida ter conseguido que as maternidades na região de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve funcionassem em rede, o fecho de serviços de urgências de ginecologia/obstetrícia, como aconteceu no último domingo com um total de 17 de serviços de portas fechadas por todo o país, “não pode acontecer”, afirma. Observa ainda com preocupação o nascimento de bebés em ambulâncias, sublinhando deverá apenas acontecer “em casos excecionais”.
Em breve deverá ser anunciada a abertura de novos centros de atendimento clínico (CAC), apontou a governante. Em pouco mais de um mês, os centros abertos em Sete Rios, em Lisboa, e da Prelada, no Porto, atenderam mais de dois mil utentes de menor urgência clínica, ou seja, com pulseira azuis e verdes, encaminhados dos hospitais de Santa Maria, São João e Santo António. “O tempo médio de espera destes utentes foi de 15 minutos”, atenta.
Também deverá ser alargada a consulta do dia seguinte aos centros de saúde das ULS de Almada-Seixal, Barcelos-Esposende, da Lezíria e do Tâmega e Sousa. Neste momento, já se encontra a funcionar no cuidados primários das ULS da Póvoa do Varzim, Gaia-Espinho e Entre Douro e Vouga, no âmbito do programa "Ligue Antes, Salve Vidas", que arrancou ainda durante a anterior legislatura.
Concursos de médicos de família
Uma das medidas que está em curso é a admissão de médicos no SNS, com mais 2 200 vagas, através de concursos abertos pelas ULS. Dos concursos dos recém-especialistas, o balanço até agora “não é nada negativo”, observou a governante, contudo “o mesmo não pode ser dito para a medicina geral e familiar". A situação é preocupante, reconhece a governante. Recorde-se que o plano prevê a contratação de 900 médicos de família.
Segundo a ministra, a metodologia para a contratação da medicina geral e familiar será alterada já este mês, tendo em vista o próximo concurso em novembro. Caso não obtenha os resultados desejados, a tutela poderá voltar atrás com a decisão, sublinhou.
Ana Paula Mrtins negou que o Governo tenha alguma pretensão de “vender a ilusão” de que todos os problemas do SNS, “que são muitos, profundos e estruturais”, vão ser resolvidos no imediato. Recorde-se que no total, o pacote é composto por 54 medidas, das quais 45 estão em fase de implementação. Embora algumas das medidas tenham “constrangimentos legais” e “demorem tempo” a implementar, o Governo não irá prescindir das mesmas, advertiu.