O PS perguntou esta quarta-feira a Nuno Rebelo de Sousa se "foi pago" por atuar "no papel de lobista e facilitador de negócios", no caso das gémeas. Mas o filho de Marcelo invocou o "direito ao silêncio" para não responder à comissão de inquérito. Foi aprovada a audição da sua companheira pela ligação a uma seguradora.
Corpo do artigo
O presidente da República invocou, por sua vez, a "separação de poderes" para não comentar a audição do filho no Parlamento.
No arranque da audição por videoconferência, a partir do Brasil, o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, arguido no processo judicial, começou por esclarecer que, conforme já tinha informado previamente através dos seus advogados, seguirá o conselho que lhe deram, "conselho esse que vai no sentido de não responder a perguntas nesta comissão" de inquérito ao caso das gémeas lusobrasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Isto apesar de ter respondido a algumas questões pontuais do presidente da Comissão, Rui Paulo Sousa, sem abordar diretamente os factos que são objeto de investigação.
"Disso já foi dada nota nas duas respostas às convocatórias da comissão, e foi novamente reiterado esta manhã, por e-mail dos advogados", revelou ainda. Argumentou depois que "existe coincidência entre o objeto deste inquérito e o objeto daquele processo" em que é arguido e já foi ouvido.
"Assim, todas e quaisquer perguntas admissíveis e legítimas no âmbito desta comissão, considerando o seu objeto, só podem dizer respeito ao mesmo objeto do processo-crime, naturalmente", continuou, confirmando a sua recusa em responder a questões: "exercerei o meu direito ao silêncio". E reforçou depois que "o silêncio nesta comissão é integral".
A propósito, disse não existir relação entre o direito ao silêncio e o segredo de justiça. "Este segredo apenas impede a revelação de atos processuais, razão pela qual, através dos meus advogados, desde a resposta à primeira convocatória, dei nota de que, pelo meu lado, autorizava o acesso desta comissão a todos os esclarecimentos que já prestei na investigação do Ministério Público", afirmou ainda aos deputados.
Seguradora na mira
A deputada Joana Cordeiro, da IL, foi a primeira a questionar, em vão, Nuno Rebelo de Sousa. Perguntou-lhe qual a sua principal motivação para interceder pelas gémeas e que ajuda pretendia obter junto do presidente da República. "Pelas razões referidas, não respondo", disse o inquirido. A deputada disse que, se fosse apenas uma cunha, poderia ser atenuada, mas crê que, quando todos escolhem o silêncio, "há algo obviamente que se quer esconder". Citou a propósito uma notícia da CNN que referia que uma seguradora brasileira poderia ter poupado milhões com a alegada cunha, questionando se "as falhas de memória" dos envolvidos se devem a essa ligação.
"Considera-se lobista? Recebe ou não contrapartidas? Conhece José Magro?", perguntou, por sua vez, a bloquista Joana Mortágua. E recordou que Nuno Rebelo de Sousa enviou um email a Marcelo em que o trata por pai, dizendo "precisamos de uma ajuda maior para conseguir o melhor tratamento do mundo". A deputada do BE disse ao inquirido que "interveio ativamente no processo: na atribuição de nacionalidade, junto de Marcelo Rebelo de Sousa, através de emails enviados a Frutuoso de Melo e Maria João Ruela". E questionou se essa interferência foi por "altruísmo desinteressado" ou "por lobismo sem contrapartidas”.
Inês Sousa Real, do PAN, perguntou como a Câmara de Comércio, que era então liderada por Nuno Rebelo de Sousa, se envolveu no processo e questionou o inquirido sobre o interesse económico do tratamento para a farmacêutica Novartis, que produz o medicamento Zolgensma.
Sem atividade para além de diretor da EDP Brasil
Paulo Muacho, do Livre, afirmou que "poderão estar em causa interesses empresariais", mas não quis fazer perguntas uma vez que Nuno Rebelo de Sousa invocou o direito ao silêncio. Já o comunista Alfredo Maia recordou que é um homem "ligado aos negócios", pedindo-lhe para refletir sobre o motivo pelos quais determinados medicamentos têm preços "absolutamente extraordinários". O tratamento recebido pelas gémeas é de quatro milhões de euros.
Depois, a pedido de João Almeida, do CDS, o presidente da comissão e deputado do Chega perguntou a Nuno Rebelo de Sousa o que faz na vida. Rui Paulo Sousa solicitou então ao inquirido que apresentasse os seus dados pessoais. "Sou diretor da EDP Brasil, empresa para a qual trabalho desde 2011", respondeu, para além de referir que reside no Brasil há 15 anos.
Mas o centrista João Almeida insistiu para que Rui Paulo Sousa perguntasse ao filho de Marcelo se tem outras atividades profissionais e qualquer relação com Daniela Martins ou António Lacerda Sales que o impeça de responder. Nuno Rebelo de Sousa respondeu que não tem qualquer outra atividade profissional.
Sem resposta quando perguntou se Nuno Rebelo de Sousa tem alguma relação com Lacerda Sales, a mãe das gémeas ou o seu advogado, João Almeida sugeriu uma queixa: "se não responder, teremos de ponderar aqui uma participação por desobediência qualificada".
"Lobista e facilitador de negócios"
"O doutor Nuno Rebelo de Sousa é a peça-chave deste caso. Começou consigo. Teria muito a ganhar se esclarecesse as questões e principalmente as contradições. Criou um grave caso político ao seu pai e colocou a Casa Civil da Presidência da República ao serviço do seu pedido", disse, por sua vez, o socialista João Paulo Correia. E sublinhou que, em apenas 10 dias, foram trocados 15 emails com a Casa Civil.
"Foi pago por ter atuado neste papel de lobista e de facilitador de negócios?", perguntou o deputado do PS, mas sem resposta a esta questão.
Para o eleito socialista, "há duas teses: um homem de causas humanistas e altruístas; e tese de lobista, convencido por alguma contrapartida, direta ou indireta".
"Reprovamos o seu primeiro contacto com a comissão parlamentar de inquérito, omitiu a condição de arguido. Prestou um péssimo serviço e desrespeitou o Parlamento", acusou depois João Paulo Correia.
"Esperou meio ano para vir desmentir o Secretário de Estado da Saúde, dizendo que na reunião (com Lacerda Sales) não pediu ajuda" para as gémeas, acusou ainda o deputado do PS."Ficamos a saber que Nuno Rebelo de Sousa contactou a secretária do secretário de Estado da Saúde. Como obteve o número de telemóvel da secretária? Conhecia-a?", perguntou ainda, sem obter resposta.
"Tem noção do problema que está a criar aos órgãos de soberania portugueses com essa atitude de não dizer nada?", acusou por sua vez André Ventura, líder do Chega. "Fico com a certeza de que é o pivô principal de um processo que se moveu ilicitamente em Portugal, envolvendo outros órgãos de soberania, para contornar a lei portuguesa para dar um benefício a alguém", acusou ainda.
Audições aprovadas
Os deputados da comissão de inquérito aprovaram esta quarta-feira por unanimidade a audição da companheira do filho do presidente da República, Juliana Drummond, devido à ligação a uma seguradora. Também as audições de Augusto Santos Silva e Francisca Van Dunem foram aprovadas.
No início da reunião da comissão desta quarta-feira, o deputado social-democrata António Rodrigues anunciou que o partido apresentou um requerimento para que seja ouvida Juliana Vilela Drummond, companheira de Nuno Rebelo de Sousa.
O deputado explicou que o nome surge num email que está entre os documentos da comissão e que, neste caso, pode existir uma ligação a um benefício da companhia de seguros de Drummond. O seu nome aparece em conhecimento num e-mail enviado por Nuno Rebelo de Sousa. O endereço de email, do Gmail, contém a palavra "seguros", destacou o deputado, o que pode sugerir a ligação a uma seguradora.
A CNN noticiou que a seguradora contratada pelos pais para as filhas poderá ter poupado milhões pelo facto de as crianças terem recebido o tratamento gratuitamente via SNS. "Esta poupança é uma consequência lógica de uma decisão judicial que obrigou a seguradora brasileira a pagar esse outro medicamento e foi referida pela mãe das crianças na gravação captada em outubro de 2023 pela CNN Portugal", refere a estação televisiva no seu site.
Já as audições de Augusto Santos Silva e Francisca Van Dunem foram aprovadas com abstenção do PS, PSD, Livre, BE e PCP.