Em entrevista ao JN, Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana, diz o que espera de Donald Trump. Fala do cessar-fogo em Gaza e da deportação de cidadãos ilegais - que não acredita que criará qualquer crise em Portugal - e mostra-se preocupado com o apoio da dupla Trump/Musk a movimentos radicais europeus.
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A imigração foi um dos temas mais relevantes da campanha e é de esperar que seja um dos focos principais destas primeiras semanas. Mas a promessa de deportar milhões de ilegais dificilmente se irá cumprir, dada a dificuldade logística e também legal de o fazer. Muitos destes cidadãos estão perfeitamente integrados na sociedade americana. Por outro lado, é difícil acreditar que seja possível reunir meios policiais, jurídicos e logísticos para o fazer. O que será de esperar são ações policiais "espetaculares" para os media e, principalmente, ações de repressão na fronteira com o México. Obviamente muitos ilegais serão deportados nos próximos quatro anos, como sempre sucede, sendo de esperar que este número aumente. Mas não a ponto de criar uma crise em Portugal. Sabemos que há milhares de ilegais portugueses e parece-me aceitável que haja planos de contingência das nossas autoridades. O que também pode acontecer é que muitos, com receio das políticas de Trump, assumam eles próprios a decisão de sair dos Estados Unidos. E, aliás, essa também é vontade de Trump: criar receio entre os imigrantes ilegais que vão ser expulsos e fazer com que saiam de livre vontade.
Trump tem interesse em prosseguir com a sua política de acordos de paz no Médio Oriente, como sucedeu na sua primeira administração. Os "Acordos de Abraão", talvez o maior sucesso de política externa de Trump, terão agora uma nova oportunidade de prosseguir, nomeadamente com um acordo de paz entre Israel e a Arábia Saudita. Daí que Trump tenha estado tão empenhado em apoiar o cessar-fogo em Gaza e acabar com esta guerra. Estou certo de que tudo fará para que este acordo seja cumprido, pois sabe que sem paz não será possível prosseguir com os "Acordos de Abraão". O mais interessante será perceber a postura de Trump em relação ao Irão, pois é sabido que Israel, depois de enfraquecer de forma decisiva o país dos Aiatolas, pretendia atacar o país para destruir o regime iraniano. Trump até poderá ter interesse nisso, se vir que a Arábia Saudita, o grande rival do Irão na região, pode apoiar de forma tácita. Mas nada será feito sem um futuro mais estável para a Palestina, sabendo que a Arábia Saudita exige a solução de dois estados, algo que parece mais distante do que nunca. Será que Trump conseguirá avançar alguma coisa no processo de paz do Médio Oriente? Uma grande incógnita.