O consumismo entre os jovens aumenta de forma alarmante. Em quatro anos, estima-se que a fast fashion possa crescer 80 milhões de euros. O que começa por ser vontade e impulso pode transformar-se em patologia e - alertam especialistas – levar a um colapso emocional e financeiro.
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Na casa onde vive, em Alenquer, o armário repleto de roupas e acessórios do quarto luminoso denuncia o que Cátia Florêncio, 18 anos, tenta esconder. Por trás do visual discreto, a estudante de Gestão de Marketing é minuciosa em cuidar da imagem pessoal e da ideia que transmite aos outros. Apesar de consciente que deveria evitar a compra por impulso, a jovem assume-se consumidora de fast fashion. Sempre que aprecia algo trendy apresentado pelas influencers que segue nas redes sociais, não resiste a comprar as últimas tendências. Cátia tenta combater ao máximo a vontade de comprar, porém, a obsessão por possuir é maior. A jovem mostra-se arrependida de certas compras impulsivas. Para se desfazer do que é inútil e recuperar um terço do dinheiro gasta diariamente, ultimamente, tem recorrido à Vinted, uma aplicação cujo objetivo é vender roupa em segunda mão. “É difícil gerir a mesada que recebo dos meus pais, pois mesmo antes de a receber já sei o que quero comprar”, confessa.
Rita Abrantes, estudante da licenciatura em Jornalismo, tem 18 anos e não se considera muito consumidora, mas admite que o TikTok a seduz a pesquisar e, por vezes, a adquirir os produtos exibidos como roupa, maquilhagem e acessórios. Como afirma: “Devido ao algoritmo, aparecem produtos do nosso interesse sem termos de pesquisar. Se não tivessem aparecido nas minhas redes sociais, não saberia da existência de certas coisas e talvez nunca tivesse comprado.”
A história de Cátia Florêncio e Rita Abrantes exemplifica uma realidade mais vasta, que envolve milhões de adolescentes expostos às redes sociais e que representam a escalada do consumismo entre os jovens cibernautas. De acordo com o estudo “Os jovens, o consumo e a identidade: uma trilogia contemporânea? O consumo de marcas de vestuário e de calçado e a construção identitária juvenil”, a publicidade dos produtos ajuda os jovens a saber quais marcas estão trendy. Esta pesquisa põe em causa a inocência dos inquiridos por, possivelmente, não se aperceberem da maneira que o discurso publicitário influencia as suas escolhas.
O estudo do CIES (Centro de Investigação e Estudos em Sociologia), do ISCTE (Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa), concluiu que as redes sociais influenciam os jovens a consumir cada vez em consequência de um fenómeno identificado pela ciência. Como explica a autora da investigação, Cristina Santos: “As redes podem ser usadas como 'montras sociais', em que prevalece o FOMO (Fear of Missing Out). Portanto, há uma maior necessidade de inclusão e validação externas, com a amplificação decorrente das plataformas. Daí o aumento das doenças mentais, inclusive nos jovens, como a ansiedade e depressão. A necessidade de partilha on-line faz com que nos tornemos reféns da interação que decorre no espaço digital.”
O consumo como fuga à exclusão
Por trás dos números, podem esconder-se problemas que convém, segundo os especialistas, identificar. Como alerta a psicóloga Patrícia Graça, “a busca constante por bens materiais como uma fonte de satisfação ou felicidade momentânea pode gerar ansiedade, frustração e até depressão, especialmente quando os jovens se comparam com os outros ou sentem que não conseguem acompanhar”. Cristina Santos descreve a obsessão por estar sempre “na moda” como algo efémero: “Trata-se de ciclos viciantes, em que a insatisfação alimenta os processos de consumo. A dependência da sensação que os indivíduos sentem de não terem alcançado a plena saciação é o sentimento que garante a prosperidade da sociedade, que tem conseguido assegurar a sua sobrevivência, ao 'alimentar' a manutenção do ciclo de consumo.”
A investigadora do CIES sublinha que “o consumo não torna os indivíduos mais felizes. Aliás, quanto mais os sujeitos detêm valores materialistas, maior a sua tendência para a compra compulsiva”. A socióloga aponta os sentimentos controversos que esta prática pode gerar nos jovens: “O consumo é uma atividade ambivalente: agradável, mas também stressante e frustrante. Uma ida às compras pode representar um momento de satisfação pessoal, acentuando-se a valorização do hedonismo.”
A moda pode ser uma forma de expressão, mas quando se torna uma obsessão tende, como adverte a terapeuta Patrícia Graça, a ser uma forma de preencher um vazio. “Ajudar os jovens a desenvolver uma autoimagem positiva, baseada em competências, valores e relações saudáveis, é essencial para que não dependam tanto da aparência ou do consumo para se sentirem bem consigo próprios”, aconselha.
Procurar o consumo mais consciente
O consumismo leva a um impacto financeiro devido às compras por impulsividade e de forma inconsciente. Patrícia Graça sugere uma educação emocional e financeira desde cedo: “Ensinar os jovens a refletirem sobre os seus desejos, valores e o impacto ambiental e social das suas escolhas pode promover um consumo mais consciente.” A psicóloga destaca a urgência de desenvolver um pensamento crítico e saber interpretar a intenção de uma publicidade. “É importante incentivar os jovens a reutilizar, reaproveitar, comprar o que é realmente necessário. A questão financeira é muito difícil de controlar por parte de quem consome”, refere. Por outro lado, Cristina Santos defende a importância de alertar os jovens que “o consumo excessivo pode resolver-se com a mudança de mentalidade e dos hábitos de consumo, investindo em literacia financeira e demonstrando o impacto ambiental”.
A sociedade divide os jovens em patamares devido aos seus bens e da afluência à moda. Cristina Santos refere que “as pessoas são avaliadas, premiadas e penalizadas em função da sua rapidez em comprar o que está trendy. Há quem se sinta inadequado se não responder a estes ‘chamamentos’ da sociedade. A reflexão e a discussão destas problemáticas poderão ajudar o ator social a contrariar estes mecanismos, ganhando uma maior consciência e controlo”.
O dilema do dinheiro e do autocontrolo
Apesar do elevado índice de consumismo entre os jovens, a verdade é que também tende a aumentar a compra de roupa em segunda mão. É o caso de Rita Abrantes. “As roupas em segunda mão fazem-me sentir diferente dos outros e ter um destaque diferente. Quanto menos pessoas iguais a mim, melhor”, reconhece. Contudo, a jovem refere que até o preço dos produtos usados está inflacionado: “Ir à feira vai sempre compensar mais do que lojas físicas de fast fashion, mas já não é o que era.”
Cátia Florência partilha que não tem responsabilidade financeira e que todos os meses gasta dinheiro com coisas que, muitas vezes, não precisa. Percebe o problema que tem e sabe como resolvê-lo. Contudo, é algo que não tem melhorado ao longo do tempo. “Nunca penso durante muito tempo sobre o dinheiro que gasto com roupas e produtos de beleza. Se vejo algo giro que gostava de ter, compro sem pensar duas vezes”, reconhece.
Do consumismo à oneomania
O vício de comprar compulsivamente pode chegar a um extremo e ser considerado uma doença: a oneomania. Camila Nunes, 40 anos, sofre de oneomania. Tem tantas roupas que a maior parte ainda está por estrear. Por causa da impulsividade consumista, tem uma dívida de 37 296 euros. “Uma vez, cansada de comprar, cortei o meu cartão de crédito. Mas não aguentei. No dia seguinte, fui até uma loja de bolsas e pedi que tentassem passar o cartão, mesmo cortado. Disse que meu sobrinho tinha quebrado sem querer, o que era uma mentira. Deu certo e acabei levando três bolsas iguais, mas de cores diferentes”, conta.
Existe uma diferença entre a oneomania e o simples consumismo. Segundo Cristina Santos, “o consumismo alcança a oneomania quando se torna uma situação descontrolada”. A investigadora caracteriza esta compulsão em três dimensões: “experienciar o consumo como algo irresistível, perder o controlo sobre o comportamento de compra e continuar a adquirir em excesso, apesar das consequências decorrentes".
O consumismo é muito mais do que um guarda-roupa cheio: envolve influencia externa e pressão social. Com o desejo de se integrarem, os jovens enfrentam problemas emocionais e financeiros. Diante este cenário, é preciso reforçar a importância da educação financeira e emocional. “Por outro lado, desconstruir a inclinação para os indivíduos julgarem os outros, tal como a si próprios, com base nas aquisições e no estilo de vida. A reflexão e a discussão destas problemáticas poderão ajudar o ator social a contrariar estes mecanismos, ganhando uma maior consciência e controlo sociais”, remata Cristina Santos.
*Jéssica Cardoso
Estudante de Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), Jéssica Cardoso assume-se um espírito livre. Adora viajar e conhecer diferentes culturas. No ensino secundário, seguiu Ciências a pensar em ser bióloga marinha, mas rapidamente se apercebeu que, afinal, seria o jornalismo que lhe abriria as portas para o mundo.